#8M - Feminicídio
Mais um 8 de março se avizinha e com ele, vão pipocar homenagens de toda sorte às mulheres e tudo o que nos envolve. Falarão de nossa beleza, força, graça, dinamismo, participação, mas vão se esquecer de todas as violências que sofremos apenas por ser mulher, seja cis ou trans.
A Ponte Jornalismo é uma organização sem fins lucrativos criada para ampliar o debate sobre os direitos humanos por meio do jornalismo.
Nesta semana, a Ponte publicou uma reportagem de Carolina Maingué Pires demonstrando o quão inseguro é ser mulher em um momento vulnerável: o da violência. As entrevistadas pela pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, realizada pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) deixaram claro o desamparo feminino frente ao machismo. Diante da violência, não há confiança de que o Estado — que, em tese, deveria assegurar a integridade da mulher — possa fazer justiça em um episódio de um companheiro ou um familiar violento. O agressor é quase sempre um rosto conhecido.
Quando buscamos por ajuda policial, corremos o risco de sermos vítimas novamente diante das ditas autoridades da lei. Isso faz com que me recorde de uma reportagem que publicamos aqui na Ponte em março de 2021. Nela, Margarida, uma jovem do Piauí, denunciava que havia procurado seis delegacias para reportar as violências que sofria do marido — e que a levaram a um aborto. O leitor pode imagina a via crucis de dor e humilhação dessa mulher ao buscar por proteção?
Os recintos especializados em acolher estavam fechados. Quando conseguiu que registrassem a ocorrência, o machismo voltou a imperar quando o escrivão minimizou a denúncia. Foi em redes de apoio da sociedade civil que Margarida recebeu o acolhimento e, sobretudo, a proteção, negados pelo Estado.
Somente após a reportagem da Ponte foi que ela conseguiu uma medida protetiva, indicando que o Estado só funciona sob constrangimento. Essa piauiense é uma entre tantas mulheres no Brasil que passaram pela experiência da violência. Talvez, por conta de casos como o de Margarida, é que tantas mulheres não confiem no Estado e, sobretudo, na polícia para buscar proteção ou justiça. Algumas até buscam resolver as questões por si próprias. Dia da Mulher pra quem mesmo?
Isso também nos leva a perguntar se a polícia — essa instituição que serve basicamente para perseguir negros, pobres e mulheres, usando a violência para garantir a continuidade das desigualdades de classe, raça e gênero — deve continuar a ser a face do Estado encarregada de acolher a mulher vítima de violência. Não seria mais adequado que esse trabalho fosse feito por profissionais com outras formações, vivências e missão? Gente, enfim, que foi treinada para escutar e acolher outros seres humanos, e não para fazer uso da força — o que, em essência, é a característica essencial de qualquer polícia, o que a diferencia das outras instituições.
Será que uma vítima de violência preferiria ser ouvida por uma psicóloga, uma assistente social, uma profissional de saúde, uma defensora pública… ou por um policial? É uma pergunta que devemos fazer. No Brasil, a polícia é usada para tudo: apagar incêndios, gerir escolas (para pobres), fazer parto (também de pobres). Já passou da hora da gente se perguntar em quais áreas de suas vidas as pessoas não estariam sendo melhor atendidas se pudessem contar com outros profissionais que não a polícia.
O projeto “Um vírus, duas guerras”, realizado em parceria entre a Ponte e outras mídias independentes, mostrou que nem uma pandemia impede a violência contra a mulher. Algumas ficaram presas com seus agressores. 1.005 morreram entre os meses de março a dezembro de 2020 e não foi pelo coronavírus.
Quanto mais atravessada por intersecções, mais precário é o olhar do Estado sobre as vítimas. Basta acompanhar as estatísticas a partir da raça para perceber que mulher negras estão no topo das estatísticas das vítimas. O mesmo estudo do FBSP, por exemplo, aponta que 45% das mulheres negras afirmam que já sofreram alguma violência ou agressão ao longo de suas vidas. E é sempre preciso lembrar das mulheres trans e travestis, afinal, seguimos como o país que mais as mata segundo a TransGender Europe, com requintes da mais pura crueldade. De acordo com o relatório anual da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transsexuais), em 2022, das 151 pessoas trans assassinadas, 130 eram mulheres em sua maioria negras (76%) na faixa etária dos 18 aos 29 anos (52%).
Obviamente, avançamos em diversos setores, mas as perdas, as violências, as vulnerabilidades são imensas — ainda que não intransponíveis. Há mulheres que são protegidas e há outras descartáveis. Enquanto isso durar, o 8 de março deve ser de luta.
Jessica Santos
Editora de relacionamento
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