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Admirável mundo novo

Na pandemia empregos invisíveis são essenciais, mas não valorizados

14/04/2020 - 11h25 - Sinttel-ES - Tania Trento
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O sistema capitalista impõe uma visão de mundo em que as profissões subalternas valem menos, ganham menos e são invisíveis.

Mas, repare a inversão desses valores neste momento de pandemia da Covid-19, causada pelo violento coronavírus!

Os/as caixas dos supermercados,  garis, motoristas, os auxiliares de limpeza dos hospitais, os técnicos e teleoperadores de Telecom, os balconistas das farmácias, os frentistas dos postos de combustíveis, entregadores de aplicativos, entre outras funções ocupadas por trabalhadores/as pouco escolarizados alcançaram uma importância e são imprescindíveis?

O isolamento social, exigidos como única forma de combate à pandemia, expôs a importância dessas profissões que mantém o abastecimento de alimentos e remédios, o transporte, a conexão da internet, celular, TV tão necessária na comunicação dos grupos sociais. Os teleoperadores é que conectam a população com a Polícia, o Samu, os Bombeiros. Estes profissionais, além dos baixos salários, de condições precárias, são os que se arriscam para garantir a vida de outros que são os considerados.

Se fizermos uma lista das profissões relevantes na atual situação, estarão de fora os que sempre foram valorizados, bajulados pela mídia, pelo mercado, imprescindíveis ao capital: gestores, consultores, administradores, investidores, banqueiros. Todos altamente bem remunerados.

É que, até então, a regra básica é: quanto mais útil é o trabalho, pior ele é pago. Porém até quando?  Vai continuar assim quando a economia voltar ao que era antes da pandemia?

A hora e a vez dos empregos de merda (Bullshit Jobs)

Para o antropólogo e crítico do capitalismo, David Graeber, que se encontra em Londres, “nossa vida laboral e nosso sistema econômico nunca mais serão os mesmos depois da crise do coronavírus”.

David Graeber, anarquista e professor no Colégio Goldsmith da Universidade de Londres vem estudando o tema e faz observações reveladoras.

Segundo o professor, “aqueles que mais ganham dinheiro, nem aparecem nessa crise pandêmica.  Uma exceção, obviamente, são os médicos. Mas, mesmo assim, você poderia argumentar: no tocante à saúde, a equipe de limpeza nos hospitais contribui tanto quanto os médicos, e grande parte do progresso nos últimos 150 anos veio de uma melhor higiene”.

Leiam a entrevista. Fantástica é a analise desse pesquisador.


A entrevista foi publicada aqui no Brasil pelo site do Instituto Humanitas Unissinos, sob o título:

Pandemia expõe a ‘Era dos Empregos de Merda’ (Bullshit Jobs)

Agora, bilhões descobrem que podem trabalhar em casa, sem os controles burocráticos de sempre. Jornada poderia ser reduzida drasticamente, em relações pós-capitalistas. Mas haverá imensa pressão para que tudo volte ao “normal”

Será que o Occupy Home Office vai chegar ao Occupy Wall Street?

Eis a entrevista.

Senhor Graeber, de repente, fazer home office se tornou possível e os caixas dos supermercados passaram a ser sistematicamente relevantes. Será que a crise do corona está virando nosso mundo laboral de cabeça pra baixo pra sempre?

Aqui, na Grã Bretanha, o governo listou uma seleção das profissões sistematicamente relevantes — aqueles que trabalham nesses cargos e que podem continuar enviando seus filhos à escola, para serem cuidados. A lista chama a atenção pela incrível ausência de consultores de gestão e de administradores de fundos de investimento! Aqueles que mais ganham dinheiro, nem aparecem. A regra básica é: quanto mais útil é o trabalho, pior ele é pago. Uma exceção são, obviamente, os médicos. Mas mesmo assim você poderia argumentar: no tocante à saúde, a equipe de limpeza nos hospitais contribui tanto quanto os médicos, e grande parte do progresso nos últimos 150 anos veio de uma melhor higiene.

Na França, os empregados dos supermercados — que são, especificamente, os mais expostos — agora recebem um pagamento extra, graças a uma medida do governo. Os mercados não conseguem regular isso sozinhos…

É porque o mercado não é tão baseado assim na oferta e demanda, como sempre nos disseram: quem faz e em qual quantidade é uma questão de poder político. A crise atual deixa ainda mais claro que meu salário não depende de quão útil é a minha profissão.

Essa é a questão que você trabalha em seu livro Bullshit Jobs [“Empregos de Merda”, em livre tradução]: muitos dos trabalhos essenciais são mal pagos, enquanto funcionários bem remunerados costumam questionar se seus trabalhos em escritórios fazem algum sentido ou se eles estão apenas fazendo um “trabalho de merda”.

O que eu considero importante é: que eu nunca pensaria em contradizer uma pessoa que sente que realiza uma contribuição importante com seu trabalho. Porém, em meu livro, eu dei voz a pessoas que não sentem isso: pessoas que, às vezes, estão profundamente frustradas porque gostariam de contribuir com o bem coletivo. Mas, para conseguir o dinheiro que precisam para sustentar suas famílias, precisam realizar trabalhos que não servem para qualquer um. As pessoas me contavam: “eu trabalhava como professor de pré-escola, era um trabalho incrível, importante e que me fazia sentir realizado, mas com o qual eu não conseguia pagar minhas contas. E agora trabalho para algum sub-empresário que fornece informações sobre seguros de saúde. Codifico alguns formulários o dia todo, ninguém lê meus relatórios, mas ganho vinte vezes mais”.

O que acontece com esses funcionários de escritório que estão em seus empregos de merda, mas agora a partir de suas casas, por causa do coronavírus?

Algumas pessoas entram em contato comigo e me falam: eu sempre desconfiei que pudesse fazer meu trabalho em duas horas semanais, mas agora percebo que realmente é assim. Porque assim que você passa a trabalhar em casa, as reuniões que não agregam nada, por exemplo, geralmente já não são mais feitas.

Depois da crise financeira de 2008, você se envolveu com o movimento de protesto Occupy Wall Street, incluindo ativistas que passaram a ocupar um parque perto da Bolsa de Nova York. A crise do coronavírus poderia produzir um movimento de esquerda semelhante? Um Occupy Home Office?

Se acontecer, o mote será algo como: ocupe o apartamento em que você mora e não pague mais o aluguel. Agora, fala-se muito nas greves de aluguéis, porque as pessoas não conseguem mais pagar o aluguel, devido à crise do coronavírus. E o verdadeiro ponto é dar suporte aos trabalhadores mais importantes, sistematicamente, e que não receberam o equipamento necessário para realizar seu trabalho com segurança. É de nosso interesse que os trabalhadores da saúde e os entregadores de delivery tenham equipamentos de proteção.

Ao mesmo tempo, nesta crise aprendemos com muita clareza o papel central do trabalho para nossa sociedade: não interessa a quantidade de lugares que as pessoas deixam de visitar, elas sempre deverão continuar trabalhando.

Você percebe isso nas restrições no transporte público: se você o fecha, primeiro aos fins de semana, você não poderá mais ir ao parque. Mas Deus não permite que você não possa mais trabalhar! Embora tenhamos percebido há tempos que grande parte do trabalho não precise ser realizado no escritório.

Isso seria, na realidade, uma visão da situação atual, certo?

Sim. A única questão é: quando a crise acabar, as pessoas vão fingir que foi só um sonho? Situações semelhantes foram observadas após a crise de 2008. Por algumas semanas, todo mundo dizia “oh! tudo o que pensávamos que era verdade não é!”. Questões fundamentais finalmente surgiram: o que é o dinheiro? o que são dívidas? Mas, em algum momento, você, do nada, decide: “Chega disso por ora. Vamos fingir que nada aconteceu. Vamos refazer tudo de novo do mesmo jeito!” E a política neoliberal e o setor financeiro continuaram. É por isso que é tão importante que não esqueçamos daquilo que finalmente admitimos para nós mesmos em tempos de crise — por exemplo, quais empregos são sistematicamente importantes e quais não.

 

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