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Meias verdades sobre a crise e o Brasil

25/05/2016 - 16h19 - Sinttel-ES - Tania Trento
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No pós-impeachment do sufrágio universal, a sociedade não cabe no orçamento, dizem os socialites

A questão central é a cambial não a fiscal, admitiu FHC em “reflexão ultrassecreta”

Em seus Diários da Presidência, FHC registra o que chama de “reflexão ultrassecreta”, dez dias antes de se reeleger, em 1998, no primeiro turno, com 53% dos votos: “Há um ponto que os críticos não pegaram, só um ou outro economista percebeu. Tudo isso que digo, déficit fiscal e tudo mais, é um pouco meia verdade. Não que não exista déficit a ser combatido, mas a questão que nunca foi posta (pelo governo) é a cambial. É a questão central”.

Em sua concepção essencial, o Plano Real seguiu o método básico utilizado para dar fim à maioria das “grandes inflações” do século XX: recuperação da confiança na moeda nacional, por meio da garantia de seu valor externo.

A “âncora” foi, como é amplamente reconhecido, a estabilização da taxa de câmbio nominal, garantida por um montante de reservas capaz de assegurar a confiança na moeda nacional, leia-se, dos agentes controladores da riqueza.

A obtenção de condições duradouras para a estabilidade pressupunha, especialmente, o retorno dos fluxos de investimento e do crédito externos, afastados pela crise da dívida, que assolou os países de moeda não conversível, vitimados pelo famoso choque de juros de outubro de 1979, do senhor Paul Volcker.

As ideias que fundamentaram o plano redentor (Real) já haviam sido experimentadas em outros tempos e lugares, mas mesmo aqueles identificados como autores intelectuais de sua versão tropical reconheciam, quase dez anos antes de sua implantação, a dependência de condições externas favoráveis:

“Em várias ocasiões na história, um requisito fundamental para o sucesso das reformas monetárias tem sido o influxo de capitais externos e a acumulação resultante de reservas que permitiram ao país provar sua capacidade de fixar a taxa de câmbio. Tal base, contudo, não é factível no caso brasileiro: o fluxo de capitais externos necessário não se dirigirá para o país mais endividado do mundo” (Pérsio Arida & André Lara Resende, 1984).

Para o senso comum, no entanto, os louros da estabilização monetária repousam sobre a cabeça do professor Cardoso. Eventuais lacunas técnicas foram sobrepujadas pelo retorno do financiamento externo e, consequentemente, o crescimento das reservas cambiais.

A deflação dos mercados globalizados no início dos anos 90 permitiu a volta dos fluxos de capitais a partir de 1992. A liquidez das economias centrais transborda e atinge os países periféricos, permitindo a reversão da situação. Dinheiro caçando rendimentos.

Após ocupar o Ministério da Fazenda, FHC é alçado à Presidência, graças ao sucesso do plano de estabilização. Ao longo de seu mandato, os receios quanto aos efeitos perversos da sobrevalorização da moeda se materializaram. Apesar de os alertas se multiplicarem, os economistas do seu governo contrários à política cambial foram sistematicamente afastados, em benefício daqueles com discurso mais conveniente.

No choque de juros de Volcker, em 1979, o comprometimento da estabilidade dos emergentes (Foto: Bebeto Matthews/AP)

No Natal de 1994, foi publicado na Folha de S.Paulo o artigo intitulado “Os riscos da valorização cambial”:

“A problemática sobrevalorização cambial não parece ser um “erro de pilotagem”, nem um subproduto indesejado da política de estabilização. Trata-se, aparentemente, de uma peça central do programa do governo… essas circunstâncias colocam o programa de estabilização brasileiro em dependência muito estreita da disponibilidade abundante de financiamento externo. Ora, os fluxos financeiros que abastecem nosso balanço de capitais são extremamente voláteis… uma valorização duradoura acaba levando à perda de posições conquistadas nos mercados do exterior e à desarticulação dos setores que competem com importações, suscitando enormes dificuldades para o posterior ajustamento da economia”. (Luiz Gonzaga Belluzzo & Paulo Nogueira Batista)

Durante seus dois mandatos e ainda hoje, o discurso dominante denunciava a fragilidade fiscal, decorrente dos gastos excessivos do governo com a seguridade social.

Os superávits primários do setor público de 1998 a 2013 não foram capazes de impedir o salto da dívida bruta do setor público do patamar de 40% do PIB em 1998 para aproximadamente 58% em 2003. O mesmo patamar é apresentado em 2014, elevando-se para 66,5% do PIB até 2015.

Nesses dois anos, o déficit primário acumulado foi de 143,7 bilhões de reais, enquanto o crescimento da dívida bruta foi de 675 bilhões. Essa dinâmica é indecifrável sem a análise das despesas com juros da dívida pública, que saltam de 32,2 bilhões em 1994 para o mais de 502 bilhões em 2015.

A ostentação, pelo Brasil, das taxas reais de juros mais elevadas do mundo durante quase todo esse período está associada à inserção internacional de nossa economia. Em 1994, a forte valorização cambial reduziu a inflação mensal para a casa de 1%, porém ampliou o componente que correlaciona a formação da taxa de juros com a expectativa de desvalorização do câmbio.

Assim, as taxas reais não podem ser reduzidas abaixo de determinados limites exigidos pelos investidores para adquirir e manter em carteira um ativo denominado em moeda fraca.

Em cumplicidade com o câmbio sobrevalorizado, a indústria e a industriosidade vergaram ao peso dos juros elevados. A eutanásia do empreendedor foi perpetrada pelos esculápios do rentismo.

Agora, na posteridade do impeachment do sufrágio universal, as meias verdades afirmam que a sociedade não cabe no orçamento. Isso enquanto os socialites repousam sua riqueza nos paraísos fiscais e os “juristas” fazem a festa.

*Publicado originalmente na edição 902 de CartaCapital, com o título “Meias verdades”

por Luiz Gonzaga Belluzzo e Gabriel Galípolo — publicado 25/05/2016 02h50, última modificação 25/05/2016 11h05

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