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DEMOCRACIA EM RISCO

Intervenção federal: a restrição aos direitos civis em um quadro de convulsão social

20/02/2018 - 9h30 - Sinttel-ES - Tânia Trento | Jornalista | Reg. Prof. 0400/ES
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“O governo quer fazer com que nesse ano eleitoral as coisas transcorram sem a explosão de algum tipo de revolta, 2013 ainda está na cabeça deles”, acredita o delegado carioca Orlando Zaccone

Operação com militares na Favela da Rocinha: para Zaccone, custo político da intervenção não pode ser mais do mesmo

São Paulo – Um suposto combate à corrupção nas corporações policiais para melhorar a própria imagem e a limitação do direito à manifestação em um cenário de efervescência social. Para o delegado carioca e doutor em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF) Orlando Zaccone, estes seriam dois dos objetivos da intervenção federal promovida pelo governo Temer na área de segurança pública do Rio de Janeiro.

“Acho que isso é um pacote, e nele estão as estratégias voltadas evidentemente para a melhoria da imagem do governo federal. Uma delas é fazer a mudança de foco do cenário midiático sobre corrupção e também a suspensão dos direitos civis no momento em que existe uma efervescência social, digamos assim, com uma reação grande às reformas que estão acontecendo”, aponta Zaccone.

O delegado acredita que “alterações legislativas são muito mais eficazes para modificação da realidade que os processos de criminalização”. “Por exemplo, a Lei de Licitações tem muitas brechas que são utilizadas para práticas de corrupção, mas ninguém mexe na lei, ela fica intocável.”

Qual avaliação você faz a respeito da intervenção federal no Rio de Janeiro?

Com o custo político da intervenção militar, não pode ser mais do mesmo. O que seria mais do mesmo? A atuação das Forças Armadas no espaço público em ações de segurança. Isso elas já estão fazendo no Rio de Janeiro há muitos anos. Antes da decretação da intervenção militar, as Forças Armadas já estavam na Cidade de Deus, por exemplo. Acho que o custo político, no sentido de articulações no Congresso e tudo o que o decreto de intervenção traz junto, não justificaria somente ações do Exército no campo do policiamento ostensivo.

O que está sendo colocado no decreto é uma intervenção das Forças Armadas nas polícias do Rio de Janeiro, civil e militar. Esse é o ponto diferencial no objetivo dela.

Nesse caso, que tipo de efeito isso traria para a segurança pública de forma geral?

Isso a gente ainda não sabe. Acredito eu que nesse controle que as Forças Armadas passam a ter das polícias, isso vai se voltar muito para a própria ação dos policiais envolvidos com aquilo que muitos chamam de criminalidade. Esse controle interno da atividade dos policiais vai ter um peso muito grande nessa intervenção, porque isso sim resultaria em uma estratégia de mudança de foco. A corrupção tem sido colocada constantemente no palco da política, voltar esse foco para as corporações policiais seria uma estratégia também.

Essa seria a estratégia posta com a intervenção?

Acho que sim, não haveria por que as Forças Armadas participarem dessa intervenção com esse custo político elevado. E quem vai resistir ou criticar uma ação de combate à corrupção policial? Nem a esquerda, nem a oposição, essa intervenção contempla vários aspectos visando a melhora da imagem do governo federal ante a população.

Essa estratégia de controle das polícias é um peso grande nessa intervenção. Não estou dizendo que é só isso. Os tanques vão voltar às ruas, com as medidas enérgicas que já foram anunciadas genericamente, a restrição dos direitos civis vai ocorrer. E essa restrição de direitos civis dentro do quadro de convulsão social devido às crises política e econômica, junto a todo projeto de desmonte do governo ilegítimo, é uma forma de controle social inclusive das manifestações.

Estou falando isso lembrando de uma fala do ministro da Justiça Torquato Jardim em relação ao envolvimento das cúpulas das polícias (do Rio de Janeiro) com o crime organizado. Essa fala não foi jogada, logo depois vem uma intervenção militar com o Exército tomando as rédeas e o controle da polícia. E ainda tem anunciado o Ministério da Segurança Pública. Acho que isso é um pacote, e nele estão as estratégias voltadas evidentemente para a melhoria da imagem do governo federal. Uma delas é fazer a mudança de foco do cenário midiático sobre corrupção e também a suspensão dos direitos civis no momento em que existe uma efervescência social, digamos assim, com uma reação grande às reformas que estão acontecendo. A partir do momento que se tem uma intervenção militar que suspende os direitos civis você pode limitar o direito à manifestação.

Se eles conseguirem tudo vai ser uma jogada de mestre em um ano eleitoral. A resposta que o governo quer dar é fazer com que nesse ano eleitoral as coisas transcorram sem a explosão de algum tipo de revolta, 2013 ainda está na cabeça deles.

Essa intervenção aumenta o raio de ação da Polícia Federal no âmbito dos estados, já que ela fica restrita sempre a uma competência constitucional. Mas, com a intervenção, isso se amplia de uma forma absurda.

Essa estratégia do suposto combate à corrupção, que dá frutos políticos no Brasil desde os tempos da UDN, com a eventual prisão de algumas pessoas, na prática não resolveria o problema da segurança pública no estado…

Sim, como qualquer movimento de criminalização, não só da corrupção, como do tráfico de drogas. Você prende tantos traficantes, a polícia mata tantos e no outro dia o tráfico continua igual. A questão é essa: processos de criminalização não alteram a realidade. O que altera a realidade são as intervenções políticas e efetivas. E não sei se estamos realmente dispostos a fazer isso, porque mudanças efetivas na área de segurança requerem reestruturação das polícias e um debate muito mais profundo acerca da realidade da segurança, e não uma intervenção militar.

E até mesmo uma mudança, por exemplo, na Lei de Drogas.

Isso sim alteraria, porque é uma ação política, mudar a Lei de Drogas, legalizar… Criminalizando um mercado não se faz o mercado desaparecer, e o mesmo acontece com a corrupção. Não estou dizendo com isso que a gente não tem que buscar a resposta para condutas ilícitas, mas acho que alterações legislativas são muito mais eficazes para modificação da realidade que os processos de criminalização. Por exemplo, a Lei de Licitações tem muitas brechas que são utilizadas para práticas de corrupção, mas ninguém mexe na lei, ela fica intocável. Vamos prender mais um ou outro corrupto e a sensação é que o Estado está tomando providências para alterar a realidade, o que não está acontecendo.

 

por Glauco Faria, para a RBA publicado 19/02/2018 18h02, última modificação 19/02/2018 18h11

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