BOLSOLÃO
Por Paulo Moreira Leite, para o Jornalistas pela Democracia
Embora o governo Bolsonaro tenha sido capaz de reunir os votos necessários para dar início ao trâmite da reforma da Previdência no Congresso, onde precisará ser aprovado por uma maioria de 4/5 nas duas casas, em duas votações separadas, é obrigatório reconhecer que a principal batalha política de nosso período está só no começo.
As voltas com um projeto que a população rejeita, o Planalto já colocou de pé o mais conhecido recurso de Brasília para tentar arrebanhar os votos necessários para enfiar a reforma da Previdência goela abaixo dos brasileiros e brasileiras — distribuição de emendas parlamentares.
Como noticia a Folha de hoje, com base em depoimentos de integrantes das principais bancadas do Congresso, cada voto a favor da reforma irá custar R$ 40 milhões em emendas para o cada deputado, cada senador, garantir a aprovação da reforma. Só na Câmara, onde as negociações estão avançadas em tratativas entre o ministro Onix Lorenzoni, o presidente Rodrigo Maia e outras lideranças, diz o jornal, a compra de votos de 308 deputados sairá por R$ 12, 3 bilhões. Se o mesmo esquema se repetir no senado, com os mesmos valores, a conta bate em R$ 1,9 bi. No total, estamos falando em R$ 14, 2 bilhões, numa estimativa modesta — a suposição é uma contabilidade controlada, na qual a compra de apoio atingirá exatamente o total de parlamentares necessários em cada casa.
Imaginando que nenhum centavo será desviado nem irá desaparecer em tratativas obscuras, pouco explicadas, que marcam a política brasileira desde o início dos tempos, podemos registrar uma barganha compensatória, típico daquilo que, na última campanha eleitoral, era costume de definir como “velha política”. Em vez de tentar ganhar apoio da sociedade num debate claro e transparente, em torno de ideias e visões de país, abre-se o cofre dos recursos públicos.
Para convencer o Congresso a dar os votos necessários para aprovar um projeto que irá obrigar a maioria da população a trabalhar mais e gastar mais para receber uma aposentadoria menor do que hoje, o Planalto irá subsidiar a musculatura política de sua base com recursos capazes de dar alguma esperança de reeleição em 2022. Parece fácil mas pode se revelar um convite ao suicídio.
Para além dos aspectos morais, o problema da proposta é que não basta agradar aos parlamentares. É preciso convencer o principal interessado, o eleitor. Os líderes da ruinosa reforma trabalhista de 2017, numa ambiente de denúncia e rejeição da população, foram abandonados pelo eleitor no ano seguinte, quando decidiram ir atrás de seus votos.
Assim caíram grandes estrelas do Congresso, com papel destacado na discussão, como os senadores Romero Jucá e Ricardo Ferraço, os deputados André Moura e Rogério Marinho, no que pode ser um prenuncio do destino de quem entrar em campo para destruir o embrião de nosso estado de bem-estar social, reconhecido pela população brasileira como uma de suas conquistas mais importantes.
Há uma diferença relevante entre os dois momentos. A reforma trabalhista foi aprovada num ambiente de ressaca do movimento popular, vencido pelo golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff. Mesmo assim, o desgaste foi tão grande que Michel Temer desistiu de levar em frente um projeto de reforma da Previdência — muito mais suave que o plano Guedes-Bolsonaro — para fugir de uma derrota certa.
O debate sobre a Previdência ocorre num ambiente de recuperação e unidade das centrais sindical. A aprovação de Jair Bolsonaro está em queda, as brigas internas do governo assumem um tom de apocalipse e a credibilidade do Congresso se encontra naquele atoleiro que sempre foi.
Monitorando o debate em curso, grandes consultorias já abandonaram a perspectiva de que a meta de cortar 1 trilhão nos gastos da Previdência será atingida e já fazem previsões bem mais modestas. Eixo do projeto, o sistema de capitalização individual provoca desconfianças até em setores do grande empresariado, que deveriam ser os principais interessados em sua aprovação. Mesmo o debate internacional, tantas vezes utilizado como referência em discussões internas, é desfavorável aos projetos de privatização da Previdência. Dos 30 países que seguiram esse caminho entre 1981 e 2014, 18 já foram obrigados a voltar atrás para fugir de um desastre social irremediável.