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Trabalho duro e arriscado

Em meio à Covid-19: quem mantém a internet no ar vive com medo 

02/04/2020 - 18h39 - Sinttel-ES - Tania Trento
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Matéria veiculada no site do Uol Notícias, mostra como é  difícil o dia a dia dos técnicos em telefonia, para trabalhar em meio à pandemia do Coronavírus. Decretada como serviço essencial à população, as Telecomunicações e a Internet só funcionam porque uma legião de trabalhadores se arrisca, diariamente, para manter funcionando uma rede de comunicações, que torna a quarentena menos solitária e penosa para toda a sociedade. Hoje, eles são mais que necessários. Mas as empresas nunca valorizaram esses profissionais na sua importância e necessidades. Desde a privatização do setor em 1997, os salários e as condições de trabalho são precarizados.

 

SEM TEMPO, IRMÃO
Atuando em serviço essencial, técnicos de telecomunicação não pararam de trabalhar
Não está fácil, pois clientes estão mais receosos e não os deixam entrar em casa
Com isso, eles têm que reparar conexões à internet e falhas à distância
Eles também temem pela própria saúde, já que também estão expostos ao coronavírus
Temem também que o baque da economia vá resultar em desemprego após a pandem

Na linha de frente da manutenção dos serviços de telecomunicação, como a internet e a TV paga, os técnicos de reparo e instalação não deixaram de trabalhar por prestar um serviço essencial, mas estão penando para manter a conexão das pessoas funcionando em tempos de pandemia.

Clientes querem ter seus equipamentos reparados, mas sem deixar que os técnicos entrem em suas casas. Alguns condomínios os submetem a verdadeiros interrogatórios sobre coronavírus e até os escoltam ao banheiro para lavarem as mãos. Mesmo com medo de se infectar, os profissionais entram em contato com doentes.

Em algumas regiões foi preciso entrar na Justiça para garantir que as empresas forneçam kits de higiene. Fora isso, os pedidos em queda fazem com que temam por seus empregos quando a crise de saúde passar.

“Se os próprios parentes estão evitando visitas, imagina deixar um técnico entrar na casa. Tem muita gente evitando isso”, diz Mauro Cava de Brito, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicação do Estado de São Paulo (Sintetel). Com cerca de 40% dos 100 mil técnicos do Brasil, o Estado é o que mais têm profissionais do segmento.

A reportagem falou com dois deles, que prefiram omitir seus nomes para evitar problemas no trabalho.

J*, de 37 anos, trabalha há 14 em uma empresa de telecomunicação e costuma atuar em Santana, bairro da zona norte da capital. Na semana passada, ele chegou a um sobrado em que já havia trabalhado cerca de 40 dias atrás. Uma caixinha de TV paga havia queimado e precisava ser trocada. Ao entrar na casa, foi recebido por uma senhora idosa. De cara, reparou que ela estava sem máscara e manteve distância de Três metros dele. Depois, ela avisou que havia na casa um doente de covid-19. Era seu marido.

“Ainda que eu estivesse equipado para entrar, foi um baque”, disse J.*, que usava máscara, protetor para pés e luvas.
“Mas eu não podia exortá-la, porque já está com um sofrimento dentro da casa dela. Se eu me abalo por ouvir isso, eu vou deixá-la mais chateada.”

Como o aparelho que precisava de reparo estava no escritório do marido, um professor universitário de Direito, o técnico foi levado até lá. Nova surpresa. Divisórias de vidro foram instaladas para separar os cômodos usados pelo professor do restante da casa. Ele podia até andar por um espaço reservado do quintal.

“Como eu sabia qual era o defeito, a mulher me acompanhou até a porta e ficou do outro lado. Subi [as escadas], tirei o equipamento, levei para outro cômodo e joguei fora. Nem para o meu carro eu levei”, explicou. “Nem cheguei a entrar no quarto. Vai saber como estava a higienização do local.”

Com o trabalho feito, ele pediu a seu supervisor para voltar para casa.

“Troquei totalmente a roupa, lavei tudo, limpei todas as minhas coisas, higienizei meu carro porque eu tive que trazer a mochila que estava em contato com a residência. Limpei tudo, depois voltei para o trabalho.” Isso o deixou tranquilo? Nem pensar.  Aliviado, você não fica. Não tem como. Eu tenho família, tenho mulher, dois filhos e um bebê pequeno. Você está propício a isso, ainda mais que os casos estão aumentando cada vez mais J, técnico de manutenção

A visita técnica contou ainda com um reparo da internet, feito por E., 30, que trabalha há seis anos com telecomunicação. Nesse caso, a manutenção ocorreu a partir da rua, porque a mulher preferiu que ele não entrasse. Após checar a  conexão dos fios, ele deu orientações de como ela deveria verificar se tudo estava funcionando. Isso tem se tornado comum.

“A maioria dos serviços que a gente faz, a gente não entra. Infelizmente por uma parte e felizmente por outra”, diz E..

Segundo J., uma cliente ficou com tanto receio de deixá-lo entrar que pediu para que o equipamento ficasse pendurado na janela.

“Tive que voltar no outro dia para resolver o problema.”

Quando a entrada é autorizada, a preocupação é outra. Na semana retrasada, E. visitou dois prédios, e neles foi submetido a uma verdadeira sabatina do zelador. “Tem coronavírus?”, “Está tossindo?”, “Apresenta outros sintomas?’,”Carrega álcool em gel?” foram algumas das perguntas. Depois, foi conduzido ao banheiro para lavar as mãos com água e sabão e no elevador teve de usar álcool em gel. Na casa da cliente, a mulher pediu que ele lavasse as mãos novamente e passasse álcool em gel na frente dela, antes de ele vestir as luvas e máscara.

Sem banheiro e com almoço na rua

Com as restrições durante a pandemia, fica difícil dar conta das necessidades mais básicas. “Se quiser usar banheiro, a gente não consegue, porque os clientes não deixam entrar”, conta J.. A hora do almoço é outro perrengue. Como os restaurantes estão evitando receber pessoas, os técnicos pegam marmitas e comem onde dá.

“A gente almoçava nos restaurantes, mas agora só pega marmita e vaza. Dia desses, a gente comeu na praça. Estamos sofrendo pra caramba”, diz J..

Queda nos pedidos

Isso não tem ocorrido apenas em São Paulo.

“As operadoras estão sentindo o impacto, porque muitos dos clientes não estão permitindo a entrada de técnicos, principalmente em condomínios. Alguns não estão nem fazendo solicitação, com medo de o técnico estar contaminado e propagar o coronavírus”, diz Rogério Soares, presidente do Sinttel-SC. O estado reúne cerca de 8 mil técnicos.

Segundo o Sintetel, houve queda de 40% nos pedidos de reparo e 50% nas solicitações de novas instalações em São Paulo.

“O serviço está caindo demais. Se o cara está em home office e a internet cai, ele entra em desespero e reclama. Já a linha [de telefone], a pessoa acaba deixando para reclamar depois”, diz Klinger dos Santos Lopes, supervisor de telecomunicações de uma prestadora serviços para a Vivo.

Isso já tem colocado uma pulga atrás da orelha dos trabalhadores das telecomunicações, mas por ora a preocupação é com a saúde. Tanto é que o Sinttel-SC entrou na Justiça para garantir que as operadoras fornecessem um kit de higiene.

“As operadoras realmente estavam colocando os trabalhadores em risco sem qualquer proteção.”

A Vivo informou que a decisão foi suspensa após a empresa comprovar que está “em situação regular em relação as medidas de proteção à saúde dos colaboradores de campo” e que “toma todas as medidas de segurança e saúde determinadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Ministério da Saúde em relação à Covid-19”.

A Claro informou estar “garantindo aos colaboradores condições de segurança adequadas à prestação dos serviços”. A Oi informou que não comenta ações judiciais em andamento, mas que distribuiu kit de higiene, além de afastar colaboradores colaboradores com mais de 60 anos de outros grupos de risco.

Receio de perder o emprego

Os técnicos de SP ouvidos pela reportagem dizem receber esse tipo de equipamento de higiene. Mas, o sindicato já se prepara para fazer negociações com o objetivo de preservar o emprego dos profissionais.

“Além de uma questão de perdas de vida que para nós é lamentável, a gente vai ter um reflexo forte na economia, nos empregos. Algumas empresas já estão bastante preocupadas”, diz Brito, do Sintetel.

A ideia, já discutida com as companhias, é cortar a jornada, mas manter os postos de trabalho. “Se cair 50% no serviço, é muito mais fácil você negociar com a empresa uma redução de jornada do que demitir 50% da força de trabalho. É melhor manter 100% dos trabalhadores com 50% de jornada do que só manter 50% trabalhando. Temos que pensar no global”, explica. Diante de tudo isso, Brito já prepara o espírito para o pior.

“Depois de acabar a pandemia, precisaremos ter resiliência.”

* Os nomes dos técnicos foram suprimidos a pedido deles


UOL NOTICIAS – Helton Simões Gomes, De Tilt, em São Paulo 02/04/2020 04h00


 

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