Quase centenário
A Receita Federal espera receber 32 milhões de declarações, ante 30,7 milhões no ano passado. O download para este ano já está disponível no site da Receita. Entre outros, devem declarar aqueles que receberam rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70.
O Imposto de Renda está prestes a se tornar centenário no Brasil. No primeiro ano de cobrança, em 1924, foram entregues 82.594 declarações, de acordo com o estudo História do Imposto de Renda no Brasil, um enfoque da pessoa física (1922-2013).
Em maio do ano passado, em entrevista à Rádio Bandeirantes, Jair Bolsonaro disse que a correção sairia. “Falei para o Paulo Guedes que, no mínimo, este ano temos que corrigir de acordo com a inflação a tabela para o ano que vem. E, se for possível, ampliar o limite de desconto com educação, saúde. Isso é orientação que eu dei para ele. Espero que ele cumpra, que orientação não é ordem. Mas, pelo menos, corrigir o Imposto de Renda pela inflação, isso, com toda a certeza, vai sair”, declarou. Não saiu.
De acordo com o Dieese, que elaborou nota técnica sobre o tema, desde 1996 o país tem uma defasagem superior a 100% na tabela do IRPF. É o que também aponta o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), que acompanha sistematicamente o assunto. (Confira tabela no final do texto.)
Não houve correção de 1996 a 2001, em 2003 e 2004 e de 2016 para cá. Em 25 anos, a tabela foi reajustada em 13 e ficou intacta em 12. Dos oito anos de governo Lula, houve correção em seis – em quatro, acima da inflação. Isso aconteceu também nos quatro anos do primeiro governo Dilma e no primeiro ano do segundo governo, que teve o impeachment em 2016.
Pela tabela atual, quem ganha até R$ 1.903,98 não paga Imposto de Renda. Se a correção tivesse sido aplicada na íntegra, o limite de isenção teria aumentado para R$ 3.882,98, mais que o dobro.
O presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, estima que, sem correção, pelo menos 10 milhões de pessoas estão declarando imposto indevidamente – praticamente um terço do total.
“É como uma bola de neve que vai pesando cada vez mais. É uma maneira oblíqua de aumentar a arrecadação sem lei, uma maneira fácil de arrecadar sobre uma parcela da população que não tem muito como se defender”, afirma.
Ao ignorar a correção pela inflação, o que se acumula a cada ano, muitos que eram isentos passam a contribuir e quem já está na lista acaba pagando proporcionalmente cada vez mais.
O problema, avalia o auditor, não é tanto a quantidade de alíquotas. “É que você chega muito rapidamente ao topo”, diz. O presidente do Sindifisco lembra que em 1996 quem recebia até nove salários mínimos não pagava. “Hoje, com dois você paga. E com cinco já está no topo.”
A não-correção aumenta a carga tributária e prejudica mais o contribuinte de menor renda, ressalta o sindicato dos fiscais da Receita, que defende o reajuste pela inflação para a tabela, das parcelas a deduzir e as demais deduções por dependente – para o Sindifisco, o desconto por dependente, hoje em R$ 2.275 ao ano, deveria estar em R$ 4.646,40 – em valores mensais, R$ 189,59 e R$ 387,20, respectivamente. A regressividade na tributação, assinala a entidade, é um “indutor das desigualdades sociais”.
A regressividade beneficia os mais ricos, observa o presidente do Sindifisco Nacional, defendendo a alternativa oposta. Por progressividade, entende-se fazer uma adequação da alíquota à capacidade de contribuição: em outras palavras, o que tiver menos renda também deve pagar menos.
Os vários anos sem correção, além de aumentar a defasagem, tornam-se uma dificuldade adicional para resolver o problema: não seria possível fazer o reajuste de uma só vez, porque isso traria uma brutal queda de arrecadação. “Vai demandar alguns anos, talvez uma década”, acredita Kleber Cabral. “Se houvesse a tributação sobre dividendos, você conseguiria compensar”, exemplifica. Ele vê com cautela o debate atual sobre reforma tributária, lembrando que até agora o que aconteceu foi uma sucessiva aprovação de “puxadinhos”.
O Dieese lembra que no final de 2006 houve acordo entre centrais sindicais e o governo para estabelecimento de uma política de valorização do salário mínimo. E ficou definido que de 2007 a 2010 haveria correção anual de 4,5% na tabela do Imposto de Renda, o que acabou sendo mantido até 2014. No ano seguinte, o reajuste médio foi de 5,6% – o último desde então.
Entre as propostas do instituto, está a inclusão de duas faixas tributáveis, com alíquotas de 30% e de 35%. Esta última seria para rendimentos mensais acima de R$ 17.063,86. “Deve-se ponderar que apenas a correção para atualização dos valores da tabela do IRPF não é suficiente para alterar a estrutura da contribuição e torná-la mais justa para os assalariados”, diz o Dieese.
De 1976 a 1978 chegou a haver 16 faixas e de 1983 a 1985, 13, com alíquota de até 60%. A atual estrutura, com cinco faixas, vem desde 2009.
Ano | Inflação (IPCA) (%) | Correção da tabela (%) | Resíduo acumulado (%) |
1996 | 9,56 | – | 9,56 |
1997 | 5,22 | – | 15,28 |
1998 | 1,66 | – | 17,19 |
1999 | 8,94 | – | 27,67 |
2000 | 5,97 | – | 35,29 |
2001 | 7,62 | – | 45,60 |
2002 | 12,53 | 17,50 | 39,44 |
2003 | 9,30 | – | 52,41 |
2004 | 7,60 | – | 63,99 |
2005 | 5,69 | 10,00 | 57,57 |
2006 | 3,14 | 8,00 | 50,48 |
2007 | 4,46 | 4,50 | 50,42 |
2008 | 5,90 | 4,50 | 52,44 |
2009 | 4,31 | 4,50 | 52,16 |
2010 | 5,91 | 4,50 | 54,21 |
2011 | 6,50 | 4,50 | 57,17 |
2012 | 5,84 | 4,50 | 59,18 |
2013 | 5,91 | 4,50 | 61,33 |
2014 | 6,41 | 4,50 | 64,28 |
2015 | 10,67 | 5,60 | 72,17 |
2016 | 6,29 | – | 83,00 |
2017 | 2,95 | – | 88,39 |
2018 | 3,75 | – | 95,45 |
2019 | 4,31 | – | 103,87 |
total | 327,37 | 109,63 | 103,87 |
Fonte: Receita Federal/IBGE. Elaboração: Sindifisco Nacional
Publicado 27/02/2020 – 07h52