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Covid-19: importância dos benefícios, Previdência e seguridade social

19/01/2021 - 12h14 - Sinttel-ES - Tania Trento
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Ensaio sobre o genocídio dos mais velhos

A repórter Léa Maria Aarão Reis, do site Opera Mundi, escreve uma matéria, publicada no dia 17/01, que mostra como a Covid-19 tornou os benefícios sociais, a previdência e seguridade social fundamentais para as famílias mais pobres e vulneráveis do Brasil. Ela traça um paralelo que revela, do outro lado da pandemia, o desprezo do atual governo pela população idosa do país. 

Cerca de quatro milhões de adultos brasileiros e um milhão de crianças deste país podem cair na pobreza com a morte de idosos que sustentam suas famílias, revelou em agosto passado um estudo do Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Nessas famílias, escreve a repórter Rosely Rocha, da Central Única dos Trabalhadores, a única fonte de renda são os rendimentos dos idosos: ou o Benefício de Prestação Continuada (BPC), a aposentadoria ou o trabalho – quando há trabalho.

Mas pesquisas como estas, sobre a população idosa perdida no meio da pandemia, num Brasil desgovernado, no vai-e-vem sombrio das ondas da covid-19, continuam sem repercussão expressiva (ou nenhuma) nos meios do auto-batizado ‘jornalismo profissional’ da grande mídia.

O mesmo ocorre com outra informação, esta do escritor indígena Ailton Krenak, um dos principais ativistas de movimentos socioambientais e autor do livro Ideias para Adiar o Fim do Mundo. Ele diz, enquanto cumpre rigorosa quarentena na companhia do seu povo, no Vale do Rio Doce: ”A desigualdade deixa fora da proteção social 70% das pessoas. E, no futuro, elas não serão necessárias sequer como força de trabalho”.

Créditos da foto: (Anselmo Cunha/PMPA)

Para Krenak, ”vivemos uma fase grotesca do capitalismo, mas não estamos em uma crise que vá diminuir a sua potência.­ (…) A próxima missão do capitalismo é se livrar de ao menos metade da população do planeta. O que a pandemia tem feito é um ensaio sobre a morte. É um programa do necrocapitalismo. A desigualdade deixa fora da proteção social 70% da população do planeta. No futuro, não precisará dela nem como força de trabalho”.

As imagens nas telas das TVs dos acamados transportados de um lado para o outro pelos atarantados agentes de saúde dos hospitais de Manaus confirmam o programa de ‘necrocapitalismo sobre o qual fala Krenak. A grande maioria era de homens e mulheres idosos ou de meia-idade sendo levados para morrer asfixiados.

As imagens nas telas das TVs dos acamados transportados de um lado para o outro pelos atarantados agentes de saúde dos hospitais de Manaus confirmam o programa de ‘necrocapitalismo sobre o qual fala Krenak. A grande maioria era de homens e mulheres idosos ou de meia-idade sendo levados para morrer asfixiados.

Nessa ”supressão” de parte da população mais frágil ao coronavírus – os mais velhos e as mais velhas cerram fileiras com indígenas, com presidários e com os das classes dos mais pobres – o Brasil se destacou. Chegamos a tal ponto que a organização do Human Rights Watch acaba de denunciar para o mundo o nosso desgoverno como responsável por colocar a vida e a saúde dos brasileiros em ”grande risco”sabotando de diversos modos o uso de máscaras, confinamentos, restrições sociais, quarentenas, hábitos sanitários rígidos e vacinação.

A catástrofe de Manaus é um alerta para todo o Brasil.

Não se incluem na ”força de trabalho” à qual Krenak se refere, os idosos e as idosas de um asilo na cidade de Valença, Estado do Rio, a Casa São Vicente de Paulo, por exemplo. Lá, 76 abrigados, num grupo de 82 pessoas, acabam de ser infectados. Alguns deles com quadro grave, estão internados. Um já morreu.

Também lá fora não se incluem em ”força de trabalho” os 120 seres humanos de idade avançada que foram infectados num abrigo na Bélgica, em dezembro passado, durante a visita de um Papai Noel que estaria, ele próprio, com coronavírus. Os residentes não usavam máscara durante a festa e dezoito deles morreram, poucos dias depois. Na Bélgica, metade dos que já pereceram na covid-19 são idosos e idosas.

Também não se inclui em ”força de trabalho” o professor brasileiro aposentado – professor! -, David Garbi, de 90 anos, que segundo reportagem do jornal El País, semana passada, ”não tira os olhos da lista de compras do mês. ”Pouco a pouco”, diz ele, ”vou refazendo com a caneta as contas ao checar os preços da prateleira”.

“Toda semana os produtos estão mais caros e vou precisando diminuir minha lista. Já compro o frango mais barato, mas se o valor continuar subindo vou ter que substituí-lo pelo ovo. Parece que a minha aposentadoria só diminui”.

Ele recebe pouco mais de um salário mínimo – 1 045 reais. O mínimo passará a 1 100 reais, mas continuará apresentando o menor poder de compra de produtos da cesta básica desde 2005, informa o Dieese, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.

Convém lembrar que 34% dos domicílios brasileiros dependem de 70% da renda dos idosos – e portanto precisam deles vivos -; informam os pesquisadores dedicados ao tema da economia da terceira idade. A Covid-19 mostrou a extrema importância dos benefícios sociais, da Previdência e da seguridade social para as famílias mais vulneráveis e para a economia do país. Sem os rendimentos dos idosos deixaram de circular na economia, desde o início da pandemia, mais de R$ 103 milhões.

E mais: o desemprego, que hoje está na casa dos 14 milhões de pessoas que foram demitidas, certamente fará com que mais filhos e mais netos voltem a morar com os pais e os avós, aumentando a pressão sobre a importância dos rendimentos dos mais velhos no sustento de suas famílias.

Outra informação que passou de raspão pelo ”jornalismo profissional” é a contabilização de um índice de inflação da terceira idade durante o período castigado pela pandemia, pelo desgoverno deste país e pela sua crueldade para com os que se encontram fora da ”força de trabalho.” O registro aponta o acúmulo de alta de 5,69% em 2020 e ficou acima do índice geral. Na passagem do terceiro trimestre para o quarto trimestre de 2020 a taxa passou de 1,93% para 2,81% puxada por legumes, hortaliças e aumento da conta de luz.

O que significa o Benefício de Prestação Continuada, o BPC, (que volta e meia o governo ameaça suprimir) para a economia dos municípios? Um estudo do PT revela que ele é maior que a soma do ISS e IPTU em 72% dos municípios do país. A maior fonte de renda de 70% (3 875) dos 5 566 municípios brasileiros são os benefícios pagos pela Previdência Social.

Além do genocídio praticado com perversidade e com método pelo atual desgoverno mirando os que têm mais de 60 anos, e considerando, pela ótica de Brasília, que os idosos e idosas brasileiros são resíduos da população – e não ”força de trabalho” que possa ser escravizada -, um dos resultados é o rebaixamento da expectativa de vida do brasileiro que cairá em até dois anos segundo a Fundação Getúlio Vargas e o quadro deve se agravar caso os adiamentos para começar a vacinação se prolongue. Será a primeira queda desse indicador registrada no país desde 1940.

Em 1940, a expectativa de vida do brasileiro ao nascer era de 45,5 anos. Desde então, com a redução da mortalidade infantil, os avanços na medicina e a imunização da população na prevenção de diversas doenças, em 1988 o número subiu para 62,5. Em 2000 chegou aos 69,8 e nos últimos vinte anos os ganhos foram um pouco mais lentos. Mas nunca se registrou um decréscimo como agora.

Lá fora, Haruhiko Kuroda, presidente do Banco do Japão, alertou que o envelhecimento da população pode representar “sérios desafios” para os bancos centrais. Um relatório recente da ONU concluiu que o envelhecimento global aumentaria as “pressões fiscais que muitos países vão enfrentar nas próximas décadas”.

Mas no Japão, uma das nações que mais rapidamente envelhece, melhorias estruturais estão sendo implementadas. Detalhes mínimos, mas cruciais na vida cotidiana dos idosos e das idosas. Um deles é a instalação de novos botões nas faixas de pedestres que ao serem pressionados oferecem mais tempo aos que caminham devagar para atravessar a pista.

Na Alemanha, onde o número de aposentados é cada vez maior (assim como em vários cantos do mundo) manter os trabalhadores idosos ativos é uma questão de estabilidade econômica nacional. Mais de 21% da população alemã tem idade superior a 65 anos. Por isto algumas empresas alemãs estão recorrendo à tecnologia para acomodar trabalhadores idosos e mantê-los ativos. A fábrica da Porsche em Leipzig, por exemplo, implementou medidas de ergonomia na sua linha de produção para ajudar no conforto físico dos trabalhadores de mais idade. Esses funcionários trabalham em turnos de uma hora e vão trocando de estação de trabalho ao longo do dia.

No Brasil, os movimentos vão na contramão dessas providências que mantêm a população de velhos como ”força de trabalho” , mas que mostram sobretudo respeito por ela. Já aqui, com as mortes em série de Manaus e com a controvérsia indecorosa que se abriu sobre se é justo ou não as velhas e os velhos abrigados nas Instituições de Longo Prazo para Idosos, as ILPIs, e os presidiários e os doentes mentais encerrados em hospitais receberem a vacina contra o coronavírus nos primeiros grupos da população, aqui disputa-se quem vai conseguir furar a fila da vacinação em massa. O aparelho judiciário brasileiro tentou sem qualquer pejo.

A agressão programada às pessoas idosas no Brasil vai além. O ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos extinguiu o órgão de fiscalização dedicado a punir ações de violência contra os mais velhos, sucateou delegacias especializadas, extinguiu conselhos e não promoveu qualquer capacitação, como antes era feita todos os anos, com delegados, promotores, policiais, coordenadores dos conselhos e coordenadores da política de atendimento à população idosa de todos os estados. O resultado desse ódio – porque se trata de ódio – aos mais velhos foi um aumento da violência contra eles em 80% .

Já o impacto na saúde física e emocional dos idosos durante a pandemia foi pesquisado, mas pela iniciativa privada – não pelo estado. No caso, o Hospital das Clínicas de São Paulo comandou a pesquisa. O estudo foi publicado no prestigiado Journal of Nutrician in Health Aging e mostra a avaliação sobre a rotina de mais de 550 idosos com idade igual ou superior a 60 anos e com média acima dos 80 anos. O resultado: há nítida correlação da redução do espaço de mobilidade com o prejuízo na qualidade de vida dessas pessoas.

“As pessoas idosas estão sendo altamente afetadas”, anota o relatório. ”Não só porque têm maior risco de desenvolver as formas graves da covid-19, mas também pelas recomendações de distanciamento e isolamento social. A restrição da mobilidade nos espaços de vida, em particular fora de casa, leva a uma diminuição do nível de atividade física e resulta no comprometimento da capacidade funcional, dificulta o manejo das doenças crônicas e aumenta o risco de fragilidade”.

”Boa parte dos idosos diminuirá significativamente seus níveis de atividade física durante a pandemia com consequências extremamente negativas como o declínio da força e da resistência muscular e o comprometimento do equilíbrio corporal”.

Mas na atual reabertura de alguns parques do Rio de Janeiro que se encontravam fechados, imundos e abandonados, e voltam agora, pouco a pouco, recebendo visitantes com rígidas regras para evitar aglomerações, não consta a norma de reservar horários específicos permitidos apenas aos visitantes idosos.

Triste conclusão: desrespeito, burrice, desprezo, incompetência e perversidade são os ingredientes de um caldeirão onde o desgoverno cínico de hoje, deste país, experimenta ensaiar um genocídio da população mais velha.

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