Brasília – A vitória do governo na aprovação da reforma trabalhista, ontem (11), no Senado, repercutiu amplamente na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, que dá continuidade à discussão sobre a denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção passiva. De um lado, a base do governo chegou comemorando o resultado, mas ao mesmo tempo demonstrou insatisfação com aliados. Do outro, a oposição chegou cedo à Casa para ampliar o número de inscrições para se manifestar na reunião e passou o recado de que está resistente e unida pelo acolhimento da denúncia.
Muitos deputados oposicionistas destacaram que a prioridade deles, nos próximos dias, é conseguir aprovar o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) para abertura do processo contra o presidente em plenário. E afirmaram que a briga segue firme. Em pouco mais de duas horas de trabalho o tempo já esquentou na comissão e as bancadas protagonizaram bate-bocas, trocas de acusações e xingamentos.
“Não se iludam. Não achem que aprovando o projeto de reforma trabalhista do jeito que aprovaram, com tantas artimanhas e articulações espúrias, nossa resistência vai diminuir. Agora é que vai ter luta”, afirmou o líder do PT, deputado Carlos Zarattini (SP). O deputado também ressaltou que a proposta representa “o que este governo mais gosta de aprovar, com muita rejeição popular”. Ele pregou a ampliação do debate sobre eleições diretas para a sucessão de Temer.
“Querem porque querem retirar direitos dos trabalhadores brasileiros; querem porque querem desmontar a previdência brasileira; querem porque querem congelar recursos para a saúde e educação, retirando direitos dos mais pobres e garantindo mais dinheiro para os mais ricos. E eu ainda tenho que vir para esta comissão ouvir o pessoal dizer que Temer é um homem correto, decente e honesto? Não dá nem para responder, é brincar com nossa paciência”, ironizou o deputado Glauber Braga (Psol-RJ). Braga foi outro a dizer que os oposicionistas estão coesos. “Esperamos que a Câmara ouça o que quer a população e acolha esta denúncia”.
O deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) foi direto ao ponto. Reclamou da votação da reforma, mas ressaltou que as provas sobre o envolvimento de Temer no crime de corrupção passiva são claras, “o que faz com que, a cada dia, a situação dele se agrave ainda mais”. “A prova é muito simples: é a voz dele. É ele concordando com o relato do empresário Joesley Batista, que dizia que comprou dois juízes, que comprou um procurador”, afirmou.
Miro disse ainda considerar “lamentável que isso tenha acontecido com um presidente”. “O crime está numa confissão extrajudicial. A cada dia que passa, piora a situação e o presidente, ainda por cima, está mobilizando todos os recursos do governo para se defender, incluindo aí liberação de verbas e a pressão por remoção de membros da CCJ”, observou.
Nesse ambiente, o deputado Wadih Damous (PT-RJ), primeiro oposicionista a falar formalmente na comissão, afirmou que não adianta tentarem blindar o presidente e acharem que a vitória na reforma trabalhista vai ajudar na derrubada da denúncia.
“A Constituição Federal diz que nos casos de crime comum o presidente deve ser processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), autorizado por esta Câmara. O juízo aqui tem que ser político, porque não somos um tribunal. É político também porque a Câmara precisa exercer um juízo de conveniência e oportunidade, pensando no país. Se quiserem dizer que se trata de uma perseguição da procuradoria-geral da República contra o presidente, digam, mas não dá para dizerem que a prova obtida foi ilícita”, destacou.
Damous lembrou que a gravação da conversa entre o empresário e o presidente da República não foi obtida mediante tortura. “Não estamos desobrigados de apreciar essa denúncia nem iríamos abrir mão de aprovar uma denúncia que fosse despropositada e sem provas materiais. Se fosse este o caso, poderíamos apreciar e rejeitar, mas não é este o caso em questão. Estamos diante de denúncias gravíssimas. Portanto, digam o que quiserem, só não digam que as provas são ilícitas”, acrescentou.
Em meio ao fôlego dos oposicionistas no sentido de conseguir o acolhimento da denúncia, foi observada insatisfação de representantes da base aliada com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Isto porque Maia, no início da manhã, disse que não vai aceitar que mudanças no texto da reforma trabalhista sejam feitas por meio de decreto ou medida provisória por parte do Executivo. Estas alterações foram negociadas em meio às articulações da base no Senado, com o líder do governo no Congresso, senador Romero Jucá (PMDB-RR), há semanas, como forma de o Palácio do Planalto evitar que a proposta retornasse para nova tramitação na Câmara. A estratégia foi bastante criticada por parlamentares do PT, PCdoB, Psol e PSB, na época.
Hoje, menos de 24 horas depois de ter prometido ao Planalto que ficaria quieto e não faria qualquer declaração sobre o governo, Maia disparou uma mensagem em rede social criticando o acordo. Para integrantes da base aliada, foi mais uma prova de que o deputado fluminense sonha com o Palácio do Planalto e está interessado na queda do presidente.
Deputados do DEM, partido de Maia, procuraram minimizar a declaração e disseram que não viram o gesto como uma “traição”, mas sim, uma defesa feita pelo parlamentar do rito legislativo, em função do cargo que ocupa.
Coube ao deputado Paulo Maluf (PP-SP) passar um recado curto e grosso a Rodrigo Maia. Ao defender Temer na CCJ, Maluf disse que o deputado “deveria esperar”. “Ele deveria tentar ser primeiro prefeito do Rio de Janeiro como fez o pai (Cesar Maia) ou governador. Não se pode almejar um cargo de presidente do país sem experiência administrativa”. Ao ser questionado depois sobre o que acha da postura do deputado, Maluf limitou-se a dizer “tenho muito respeito pelo pai dele”.
O ex-governador paulista também ironizou que foi candidato à presidência da República no período da redemocratização (quando concorreu com Tancredo Neves e perdeu) “sem fazer conspirações”.
Outro gesto que chamou a atenção foi a fala do primeiro representante do PSDB na comissão. O partido terminou liberando sua bancada para votar da forma como achar melhor em relação à denúncia, mas o deputado Betinho Gomes (PE) declarou voto contra Temer e pela denúncia. “O meu partido foi liberado, mas quero dizer que este deputado aqui quer um esclarecimento do presidente, sim. Não estou culpando o presidente, só dizendo que as denúncias merecem ser investigadas”, afirmou.
Num dos momentos mais emblemáticos destas pouco mais de duas horas de trabalhos, o deputado Wlademir Costa (SD-PA) chegou a desrespeitar e insultar vários colegas e a chamar o relator da matéria, Sergio Zveiter (PMDB-RJ), de “burro, incompetente e desqualificado”.
Costa foi alvo de protesto dos colegas e o presidente da comissão, Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), pediu a retirada, nas atas da reunião, da fala do parlamentar. Vários parlamentares estão assinando um manifesto de defesa e apoio a Zveiter.
Entre os principais trechos dos discursos que tentam reprovar a denúncia e proteger Temer, estão os argumentos de ilegalidade da gravação e críticas ao empresário Joesley Batista, que teria, na visão destas pessoas, “vitimizado” o presidente em busca de conseguir uma acusação forte “que lhe garantisse um acordo de delação premiada”.
Chegam perto de 200 as inscrições feitas por deputados para que possam falar na comissão. Ficou acertado que os integrantes da CCJ têm direito a 15 minutos de discursos e os deputados que não fazem parte do colegiado, a 10 minutos. Um grupo pede para que as manifestações sejam feitas durante uma reunião única, que tenha poucos minutos de suspensão dos trabalhos para descanso e entre pela madrugada, como forma de ser concluída mais rapidamente.