A alta flexibilização proporcionada pelo PLC [Projeto de Lei Complementar] 30 (antes PL 4.330) é tida como altamente danosa aos direitos consagrados pela CLT [Consolidação das Leis do Trabalho].
Na semana em que o Congresso Nacional retoma suas atividades, há uma pauta repleta de assuntos fundamentais em trâmite. Aliando isso a um cenário político instável, o resultado pode ser o trâmite de projetos sem o devido debate e a revelia de setores diretamente interessados.
Dentre as matérias de grande impacto na população, o PL [Projeto de Lei] 4.330, agora PLC 30, propõe estender a terceirização para a atividade-fim e parte do setor público, constituindo uma controvérsia significativa que tem mobilizado a sociedade civil, entidades sindicais e movimentos sociais de uma forma poucas vezes vista.
A imprensa tradicional reproduz, quase sempre, a visão do empresariado, alegando que terceirizar aumenta a eficiência, a especialização e a quantidade de postos de trabalho. A fim de contrapor esta versão com a do trabalho, o Blog dos Desenvolvimentistas entrevistou Patrícia Pelatieri, economista e coordenadora executiva do Dieese [Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicos]. Patrícia afirma que, por trás do discurso de especialização, temos a indústria recorrendo à terceirização para reduzir custos em 91% dos casos; lembra que os terceirizados recebem em média 25% menos que os diretamente contratados e estão mais expostos a acidentes. Sustenta ainda que, ao contrário do que dizem os congressistas, o teor do projeto atual abre uma brecha para a terceirização da atividade-fim nas empresas públicas e sociedades de economia mista, como a CEF [Caixa Econômica Federal] e a Petrobras.
Confira a íntegra da entrevista.
No que consiste, exatamente, a proposta do PL 4.330, hoje, PLC 30? A quantas anda o trâmite do projeto no Senado?
O PL 4.330, aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal como PLC 30, de 2015, amplia a possibilidade de terceirização para todos os setores e atividades das empresas, podendo chegar ao limite das empresas se tornarem apenas um CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica], sem um único trabalhador ou trabalhadora contratado(a) diretamente.
O projeto deverá percorrer cinco comissões no Senado e depois ir a Plenário, sendo a 1º a Comissão de Constituição Justiça e Cidadania, a 2º a Comissão de Assuntos Econômicos, a 3º Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, a 4º Comissões de Assuntos Sociais, a 5º a Comissão de Ciência e Tecnologia e Inovação. Em todas as Comissões, o relator pode alterar integralmente a matéria, com voto pela aprovação ou rejeição. Assim como no plenário. No plenário, ainda pode haver destaques para modificação do texto base aprovado.
Atualmente, de que forma é regulada a terceirização no Brasil? Que propostas o Dieese apoia para uma eventual lei da terceirização?
Atualmente, a terceirização é regulada através da Súmula 331 de 1994, que proíbe a terceirização em atividade-fim, mas permite naquelas que são previstas em lei, como asseio, limpeza e vigilância, e as atividades consideradas meio ou não essenciais para a empresa. Quando se identifica a presença de prestação de serviços em atividades fins, nestes casos, as empresas que praticam a terceirização, de forma ilegal, são condenadas a pagarem vultosas multas e obrigadas a reconhecerem os vínculos empregatícios com a tomadora, há milhares de processos na Justiça do Trabalho nesse sentido. O Dieese assessorou as centrais sindicais na construção de um projeto de consenso para a regulamentação da terceirização. Este projeto está com o Ministério do Trabalho e tem como premissas básicas: a responsabilidade solidária do tomador de serviços; a proibição da terceirização na atividade-fim; o direito de informação do sindicato da categoria; condições de trabalho iguais para todos os trabalhadores e proibição da quarteirização.
Quais são os efeitos da terceirização sobre o trabalho? Qual a situação dos terceirizados, atualmente?
A terceirização no Brasil sempre significou a precarização das condições de trabalho e o rebaixamento dos salários. Isto pode ser entendido quando, segundo uma pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria), a principal motivação para 91% das empresas que terceirizam parte de seus processos é a redução de custo e apenas 2% devido à especialização técnica. Como isso pode ocorrer, senão em detrimento dos direitos, remuneração e condições de saúde e segurança dos trabalhadores?
As empresas terceirizadas têm as populações mais vulneráveis do mercado de trabalho: mulheres, negros, jovens, migrantes e imigrantes. A terceirização está diretamente relacionada com a precarização do trabalho. Destacar os setores mais precarizados no país é destacar os setores que comumente exercem atividades terceirizadas no Brasil.
O Dossiê “Terceirização e desenvolvimento: uma conta que não fecha”, da CUT [Central Única dos Trabalhadores], traz diversos exemplos das condições desiguais dos trabalhadores terceirizados no país. Os setores tipicamente de trabalhadores terceirizados concentram uma remuneração de até dois salários-mínimos, os trabalhadores recebem, em média, 25% menos do que nos setores tipicamente contratantes.
Trabalham, em media, três horas semanais a mais, permanecem menos tempo no posto de trabalho (metade do tempo que permanece o trabalhador diretamente contratado), sofrem mais acidentes de trabalho e acidentes fatais.
Quais são as alegações dos defensores do projeto? A que grupo de interesse estão ligados?
O argumento mais comum dos defensores do projeto é que a terceirização existe e as empresas precisam de segurança jurídica. Além disso, alegam que o processo vai gerar mais empregos, por se tratar de uma modernização das relações de trabalho. Enfatizam que os ganhos da especialização e da cooperação advindos da nova relação entre empresas. Consultores apontam o “outsourcing” como o caminho para a modernidade. Sublinham também a vantagem que a terceirização traz na transformação de gastos fixos em variáveis (e, neste caso, os trabalhadores também são transformados em custo variável). Isto é de interesse de todo empresariado, uma vez que flexibiliza, de forma absoluta, as relações de trabalho.
Que impactos macroeconômicos se manifestariam com a vigência da terceirização ilimitada?
Esse cálculo não fizemos, entretanto, a precarização do trabalho leva ao empobrecimento e adoecimento da população. Uma sociedade doente e pobre significa uma economia sem perspectiva e uma menor arrecadação para os governos, que, por sua vez, reduzirão investimentos sociais e públicos, com reflexos negativos na produção.
É verdade que o atual projeto prevê a terceirização da atividade-fim também no setor público? A emenda aprovada que o excluiu não foi incorporada ao texto?
Não. A emenda aprovada retira do projeto a administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas mantém, não mais explicitamente, a abrangência da lei para as empresas públicas e sociedades de economia mista (Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica).
Que avaliação o Ministério Público e a Justiça do Trabalho fizeram sobre a proposta?
Diversas entidades do mundo jurídico do trabalho já se manifestaram, publicamente, contra o projeto em pauta e atuam em um fórum permanente.
O Fórum Permanente em Defesa dos Direitos dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização, que congrega, além de centrais sindicais, federações e sindicatos de trabalhadores, como, entre outras, a CUT, a Força Sindical, a CTB [Central dos Trabalhadores do Brasil], a UGT [União Geral dos Trabalhadores], a NCST – Nova Central Sindical, a Intersindical, a Contraf [Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro], a FUP [Federação Única dos Petroleiros], a Fitratelp [Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores dos Serviços de Telecomunicações], a Industriall, o MHuD–Movimento Humanos Direitos, o Conselho Sindical da Baixada Santista, o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho-Sinait, pesquisadores, estudiosos, entidades representativas que atuam no mundo do trabalho, entre elas: a Associação Latino-Americana de Advogados Laborais-ALAL; a Associação Latino-Americana de Juízes do Trabalho-ALJT; a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho-Anamatra; a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas-Abrat; a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho-ANPT, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, além de pesquisadores de centros acadêmicos, como do Cesit/IE/Unicamp [Centro de Estudos Sindicais do Instituto de Economia da Universidade de Campinas], da UFBA [Universidade Federal da Bahia], bem como o Grupo de Pesquisa “Trabalho, Constituição e cidadania”, UnB–CNPq [Universidade de Brasília/ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico].
Considerando que o PLC 30 atende aos interesses de um diminuto setor da sociedade, por que há tanto apoio a ele no Congresso Nacional? Como esse quadro pode ser revertido?
O apoio no Congresso tem a ver com quem financia as campanhas e os mandatos, que, infelizmente, não estão a serviço da maioria da população. Esse projeto, pelo desejo e empenho do empresariado, já deveria ter sido aprovado há alguns anos, mas a movimentação das centrais sindicais, sindicatos, sociedade organizada, intelectuais e juristas conseguiu impedir que isso fosse aprovado sem sequer ser debatido pelo plenário, porque era assim o trâmite inicial do PL 4330. Está acontecendo, patrocinada pelo senador Paim [Paulo Paim, do Partido dos Trabalhadores – PT – Rio Grande do Sul] audiências públicas em todos os estados do país e, certamente, o conhecimento e o debate popular, associado a uma mobilização permanente dos movimentos sociais pode reverter esse quadro.
Adital / Blog Desenvolvimentistas – 04/08/2015