Permanecer no Poder
Por Tereza Cruvinel*
A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro e a criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública são medidas improvisadas, que não foram planejadas e não têm a menor chance de produzir o resultado prometido, a derrota do crime organizado no Rio e a contenção da violência no país. Não importa, não se trata de políticas públicas mas de fazer política com um objetivo central não declarado, a viabilização da candidatura de Temer à reeleição. Objetivos secundários também são atendidos, como a redução do desgaste com a não-votação da reforma previdenciária, derrotada de antemão.
Afinal, faltando oito meses para a eleição, a centro-direita não conseguiu vitaminar com índices de preferência de mais de um dígito nenhum de seus possíveis candidatos, como Alckmin, Meirelles ou Rodrigo Maia. A invenção do “novo” também fracassou, com Luciano Huck jogando a toalha depois de mais uma pajelança de Fernando Henrique para fazer do apresentador insosso e oco um candidato crível. A Presidência, com tudo que ela representa em matéria de máquina e instrumentos para fazer votos, não é um recurso que a direita iria se dar ao luxo de desprezar. Poderia fazer uso dela, a favor de um candidato seu, se Temer tivesse caído com uma das denúncias. Rodrigo Maia o sucederia e poderia ser este candidato, disputando a reeleição no cargo. Mas Temer não brincou em serviço, jogou pesado para ganhar e Maia amarelou. Agora o tempo ficou curto demais para a invenção ou turbinação de um candidato de continuidade. Não tem tu, vai Temer mesmo.
E mais uma vez, ele não medirá consequências na defesa de seus interesses, que incluem permanecer no cargo para não ser alcançado pela Justiça, após tantos crimes revelados. Vai cometer as pedaladas constitucionais que forem necessárias, e a mais importante já foi cometida. No decreto da intervenção, ele inovou sobre a Constituição, como denuncia o jurista Dalmo Dallari, ao impor que o cargo de interventor deve ser ocupado por um militar. À luz da Carta, poderia ser um civil mas aí não teríamos a intervenção militar que, na prática, será feita no Rio e poderá ser aplicada a outros estados. Pois agora, Temer está inventando a sua “agenda positiva”. Vai se livrar da antipática reforma previdenciária com uma boa desculpa e se apossar de uma parte do discurso de Bolsonaro. Está ditando a agenda da campanha. Nada de discutir a recessão ou a corrupção. O negócio será debater a segurança. E se tiver o mínimo êxito, o Temer candidato dirá que precisa continuar para concluir seu Plano Real da segurança, como fez FH em 1998.
Muito se disse hoje que a jogada é de alto risco para o governo, para Temer e companhia. E é mesmo, porque as chances de fracasso no Rio são grandes e a exposição das Forças Armadas é perigosíssima. É por demais conhecida a resistência dos militares ao emprego das tropas como polícia. Mas risco maior corre o país e sua frágil democracia, diante do avanço do autoritarismo e das pedaladas constitucionais para atender ao projeto da candidatura Temer, que pegou embalo nos últimos dias. No meio político sempre se disse que um governo precisa ser muito ruim, mas muito ruim mesmo para que o presidente não consega 20% dos votos numa disputa. É nisso que apostam os palacianos que convenceram Temer de que pode ser ele mesmo o candidato do sistema do golpe. Com a intervenção no Rio o crime se inibirá, pelo menos no primeiro momento, e ele conquistará alguns pontos de aprovação. No Rio, segundo pesquisa do Idea Big Data, divulgada por O Globo, 75% acham que a violência deve ceder com a intervenção mas 81% acham que ela não resolverá o problema. Mas até à eleição, prevalecerá a percepção otimista. Com Lula impedido, e Bolsonaro beliscado, o caminho iria se abrindo para Temer daqui para agosto, quando serão registradas as candidaturas. Estes são os cálculos.
Mas por conta deles, agora estamos todos num piquenique à beira do abismo. Estas jogadas arriscadas e perigosas, com o objetivo de preservar o golpe no poder, podem cumprir seu objetivo eleitoral, que o Brasil não merece, mas podem levar também aos dias piores, que costumo aqui prever que virão, e estão sempre vindo. Podem levar à completa transfiguração do regime originário do impeachment numa ditadura também reconfigurada, em que o presidente é civil mas os militares mandam e o mercado dá as cartas. Afinal, com quebras do Estado de Direito, censuras esporádicas e repressão intermitente estamos nos acostumando.
*Tereza Cruvinel é jornalista e colunista do Brasil247.
Fonte: Brasil247