“Colocar a candidatura de Lula antes de definir um programa realmente transformador, seria inverter as prioridades. Estaríamos frustrando as esperanças de chegar a um governo progressista. Na realidade, a possibilidade de recompor alianças espúrias e autodestruidoras parece ter sido insinuada pelo próprio Lula, ao referir-se positivamente a Renan Calheiros e inclusive a Sarney”, escreve Luiz Alberto Gomez de Souza, sociólogo.
Defender o direito de Lula ser candidato é uma coisa pela qual lutamos. Assim fica claro num manifesto que, no momento que escrevo, já alcança 180.000 assinaturas. Ali se diz:
“A tentativa de marcar em tempo recorde para o dia 24 de janeiro a data do julgamento em segunda instância do processo de Lula nada tem de legalidade. Trata-se de um puro ato de perseguição da liderança política mais popular do país…
O plano estratégico em curso, depois de afastar Dilma da Presidência da República, retira os direitos dos trabalhadores, ameaça a previdência pública, privatiza a Petrobras, a Eletrobras e os bancos públicos, além de abandonar a política externa ativa e altiva…
Uma perseguição totalmente política, que só será derrotada no terreno da política. Mais que um problema tático ou eleitoral, vitória ou derrota nessa luta terá consequências estratégicas e de longo prazo.
O Brasil vive um momento de encruzilhada: ou restauramos os direitos sociais e o Estado Democrático de Direito ou seremos derrotados e assistiremos a definitiva implantação de uma sociedade de capitalismo sem regulações, baseada na superexploração dos trabalhadores. Este tipo de sociedade requer um Estado dotado de instrumentos de Exceção para reprimir as universidades, os intelectuais, os trabalhadores, as mulheres, a juventude, os pobres, os negros. Enfim, todos os explorados e oprimidos que se levantarem contra o novo sistema.
Assim, a questão da perseguição a Lula não diz respeito somente ao PT e à esquerda, mas a todos os cidadãos brasileiros. Como nunca antes em nossa geração de lutadores, o que se encontra em jogo é o futuro da democracia.”
Em entrevista recente, publicada na última Carta Maior, Boaventura de Sousa Santos declara:
“(O) golpe tem continuado fundamentalmente com o ataque judicial e político ao ex-presidente Lula. O processo é realmente uma farsa jurídica, está cheio de ilegalidades, que em qualquer país levaria a disciplinar o juiz que o protagoniza. Tornou-se claro para a opinião pública brasileira, mesmo aquela que não está com o PT, que era uma instrumentalização política dos tribunais para impedir a candidatura Lula. A nível internacional, basta ver o modo como o tema está a ser coberto por jornais importantes (o inglês The Guardian, o espanhol El País, o francês Le Monde). Não é só um movimento em defesa da democracia. É também um movimento em defesa do primado do direito”.
Há entretanto, no meio do manifesto citado no começo, um parágrafo que diz:
“Lula cresce nas pesquisas em todos os cenários de primeiro e segundo turno e até pode ganhar em primeiro turno. O cenário de vitória consagradora de Lula significaria o fracasso do golpe, possibilitaria a abertura de um novo ciclo político”.
Ali não se trata apenas de lutar pelo direito de Lula ser candidato, mas há um apoio direto à sua candidatura. São entretanto coisas diferentes: o direito à candidatura de Lula e o apoio eleitoral a ele, como quem assina um cheque em branco. Talvez essa última posição venha a fortalecer-se, pelo o que as pesquisas vêm indicando. Porém ela traz embutida um sério risco de chegar carregada de ambiguidades. Haveria o perigo de votar naquele Lula da “Carta aos brasileiros de 2003 – para ter a tal de governabilidade -, fixado no passado, num governo repeteco, com alianças esdrúxulas. Não se abriria nesse caso um novo ciclo.
Colocar a candidatura de Lula antes de definir um programa realmente transformador, seria inverter as prioridades. Estaríamos frustrando as esperanças de chegar a um governo progressista. Na realidade, a possibilidade de recompor alianças espúrias e autodestruidoras parece ter sido insinuada pelo próprio Lula, ao referir-se positivamente a Renan Calheiros e inclusive a Sarney. Não esqueçamos que Temerfoi seu vice e Meirelles presidente com ele do Banco Central (ao que parece, o ex-presidente o teria indicado para ministro da fazenda de Dilma).
Na entrevista citada acima, Boaventura diz claramente:
“O PT errou com alianças com partidos que fizeram o golpe. Acho que é perfeitamente natural que forças de esquerda digam agora que isso não pode ocorrer amanhã. A experiência de Portugal mostra que a unidade de esquerda tem de se fazer com programa, entre forças de esquerda”. É verdade que, mais adiante, o pensador português apoia diretamente a candidatura Lula.
Entretanto, gostaria de insistir que o importante não seria começar com o apoio a um nome, mas tratar de construir uma Frente Ampla Nacional, Popular e Democrática, como ocorreu em Portugal. Isso deveria dar-se em torno a um programa pós-neoliberalismo, aberto a todos os setores nacionalistas e populares.
Haveria tempo para isso, num calendário eleitoral apertado em 2018? Seria uma posição ingênua ou irreal? Valeria tentar, ou pelo menos deixar as sementes dessa Frente, como um projeto historicamente indispensável.