Medida Provisória 664 abre brechas para que o empregador interfira na relação entre adoecimento e trabalho
Escrito por: Henri Chevalier / CUT
A Medida Provisória 664 – baixada pelo governo federal sem diálogo com as centrais sindicais e que altera diretamente os direitos trabalhistas em relação a auxílio-doença e acidentes de trabalho – abre brechas para a terceirização das perícias médicas. O fato, segundo a secretária nacional de Saúde do Trabalhador da CUT, Juneia Martins Batista, faz com que as empresas tenham domínio sobre o trabalhador, interferindo na relação entre causas do adoecimento e local de trabalho.
“Abrir as perícias para a iniciativa privada pode gerar problemas que ainda nem são calculáveis”, afirma a dirigente. “A saúde é uma questão atribuída ao Estado pela força da Constituição Federal, ela é indelegável. A posição da CUT é que não vamos retroceder em um milímetro do que aquilo a que temos direitos. O governo tem que retirar as medidas provisórias e abrir o diálogo com os trabalhadores”, complementa.
A saúde é uma questão atribuída ao Estado pela força da Constituição Federal, ela é indelegável. A posição da CUT é que não vamos retroceder em um milímetro do que aquilo a que temos direitos. O governo tem que retirar as medidas provisórias e abrir o diálogo com os trabalhadores
Juneia Martins Batista, secretária nacional de Saúde do Trabalhador da CUT
A MP 664 inclui o parágrafo 5º no Art. 60 da Lei 8.213/91, apontando que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), “a seu critério e sob sua supervisão, poderá, na forma do regulamento, realizar perícias médicas: I – por convênio ou acordo de cooperação técnica com empresas; II – por termo de cooperação técnica firmado com órgãos e entidades públicos, especialmente onde não houver serviço de perícia médica do INSS”. Essa medida entrou em vigor na data da publicação da MP, em 30 de dezembro de 2014.
Caso a empresa mantenha um corpo médico próprio ou contrate empresas de perícias, elas podem realizar o trabalho em nome do INSS, aos moldes do que ocorria na década de 1990. À época, o INSS não conseguia controlar o sistema, gerando mobilizações sociais para que o Estado assumisse essa função.
Para a médica e pesquisadora da Fundacentro de São Paulo, Maria Maeno, o pior cenário é que médicos das próprias empresas, contratados e mantidos por ela, seriam permitidos de realizar perícias. “O médico pago pela empresa agir em lugar do INSS aumenta o controle da empresa sobre a saúde do trabalhador. Isso é gravíssimo, é uma questão que não podemos aceitar”.
Auxílio doença
Para a pesquisadora do Fundacentro, há ainda outro problema na MP 664: o aumento de 15 para 30 dias no tempo em que a empresa tem de arcar com o trabalhador que sofre um acidente de trabalho. À primeira vista, parece que a empresa ser responsável por mais tempo de remuneração do trabalhador é positivo para os cofres públicos. Mas, segundo Maria Maeno, o interesse empresarial se sobrepõe ao do trabalhador.
Algumas empresas, para não notificar os acidentes e doenças ao INSS, pagam elas mesmas pelo custo inicial do afastamento até 30 dias. “É uma tentativa de não tornar visível o adoecimento no trabalho, porque isso interfere na alíquota do Seguro Acidente de Trabalho (SAT/FAP) e interfere na imagem da empresa”, afirma Maria Maeno, que lembra ainda que a chance de demissão dessas pessoas é maior, pois o período de estabilidade de um ano a quem sofre acidente de trabalho só é garantido a quem é encaminhado ao INSS.
Ainda segundo ela, a medida facilita o agravamento das doenças. “Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e transtornos psíquicos ficam mais escondidos. Imagine que você está com problema no trabalho. Quando sai por um período de um mês, você melhora e se sente pronto para voltar ao posto novamente. Mas as relações e a pressão continuam as mesmas, o que te faz passar pelo processo novamente. Isso dá condições para as pessoas aguentarem mais pressão por mais tempo, fazendo com que a doença fique crônica”.
Para Juneia, o valor das economias com as medidas provisórias é irrisório frente aos custos que o sistema público teria depois, com tratamentos. “E nenhuma economia financeira para o governo deve ser baseada em retirada de benefícios garantidos historicamente ao trabalhador, muito menos na área da Saúde, fundamental para que haja desenvolvimento de outras áreas da vida social”, finaliza a dirigente.