Reforma da Previdência:
A reforma da Previdência foi aprovada com folga na comissão especial do tema nesta quinta-feira, 04/07, mas chega ao plenário da Câmara dos Deputados na próxima semana com algumas batalhas ainda a serem travadas. Uma delas envolve diretamente uma base de apoio do presidente Jair Bolsonaro: a bancada ligada à segurança pública. Outra atinge uma categoria que tem obtido êxito em seus anseios e também o apoio de boa parte da sociedade, os professores. Já outra base bolsonarista, a dos ruralistas, obteve uma vitória no último minuto.
A reportagem é de Afonso Benites e Heloísa Mendonça, publicada por El País, 05-07-2019.
Para além da pressão dos partidos e da guerra de lobbies, a proposta de mudanças de aposentadorias que passará pelo crivo de 513 deputados na semana que vem mantêm os principais pontos defendidos como essenciais pela equipe econômica de Paulo Guedes, apesar de ter sofrido alterações. A fixação de uma idade mínima continua no cerne do texto, pondo fim às aposentadorias apenas por tempo de contribuição, que em geral beneficiam os mais ricos e com mais estabilidade no mercado de trabalho. A reforma também dá mais um passo rumo à convergência entre o sistema de benefícios dos servidores públicos, um dos mais generosos do mundo, e o regime dos trabalhadores comuns. O texto-base prevê o benefício apenas a partir dos 65 anos para homens e de 62 para mulheres, com ao menos 20 e 15 anos de contribuição respectivamente.
A sessão nesta quinta-feira foi maratônica outra vez, com direito a protesto de agentes de segurança que diziam “traídos” pelo partido de Jair Bolsonaro, o PSL: “PSL traiu a polícia do Brasil”, gritaram os manifestantes quando sua tentativa de mudar o texto de forma ampla foi derrotada mais vez. Agora, resta apenas apelar ao plenário ou buscar alternativas, como uma lei própria para o setor, assim como o Planalto reservou aos militares. Já se sabe que emendas envolvendo não só os policiais, mas também os professores, devem tentar a sorte com o pleno dos deputados. Os ruralistas, por sua vez, mostraram mais força. No último minuto, conseguiram retirar do projeto um artigo que suspendia a isenção previdenciária ao exportador rural, ao custo de 8 bilhões de reais em economia para os cofres públicos.
Já os agentes de segurança pública tentarão se manter como uma categoria diferenciada, para se aposentar até dez anos antes dos demais trabalhadores com salários e pensões integrais. Essa mudança foi chamada pelo relator da proposta, Samuel Moreira (PSDB-SP), de “a destruição da reforma”, porque o seu custo ainda não foi calculado, mas criaria regras com impactos bilionários aos cofres públicos. Os professores do setor privado queriam, por exemplo, extinguir a idade mínima, mantendo apenas um tempo básico de contribuição, de 25 anos para as mulheres e de 30 para os homens. Tanto os policiais quanto os professores já são grupos que obtiveram vitórias antes mesmo do projeto chegar ao plenário. No relatório de Samuel Moreira aprovado nesta quinta-feira, oficializou-se que ambos poderão se aposentar antes das demais categorias (policiais aos 55 e professoras aos 57).
Há um prazo de cinco sessões, previsto no regulamento, até que a Câmara possa de fato votar o projeto em dois turnos, com a aprovação da maioria qualificada (o que representa 308 dos 513 deputados). O plano do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, um dos maiores entusiastas da reforma, é liquidar o trabalho até 17 de julho, quando começa o recesso parlamentar. Haverá pressão e haverá correria, mas já é certo também que haverá barulho dos opositores ao Governo ultraconservador. Trechos da reforma que envolvem a população mais pobre acabarão sendo discutidos de novo no plenário, como a nova regra do abono salarial, que reduz o número de beneficiários. Outro ponto é a diminuição no valor da pensão por morte. Essas são alguns dos maiores motes das críticas dos parlamentares opositores, minoritários na Câmara.
Caso a reforma seja aprovada, o abono salarial será pago apenas para quem recebe até 1.364,43 reais. Hoje, anualmente, trabalhadores que recebem até dois salários mínimos (1.996 reais) têm direito a receber o benefício equivalente ao salário mínimo por ano, que, em 2019, é de 998 reais. Já em relação a pensão por morte, o valor do benefício que é atualmente de 100% para segurados do INSS, respeitando o teto de 5.839, 45 reais, passará para 60% mais 10% por dependente adicional. Apenas no caso dos beneficiários que não possuem outra fonte de renda, a pensão será de, pelo menos, um salário mínimo.
Neste ponto das pensões, os policiais ligados à União —federais e rodoviários— conseguiram sua demanda: garantir que a pensão integral por morte seja paga em todos os casos relacionados com o trabalho. No texto anterior, o benefício integral era apenas nos casos em decorrência de agressões sofridas no exercício do posto, deixando de lado, por exemplo, acidentes de trânsito e doenças relacionadas à atividade policial.
A partir de agora, qualquer mudança no texto depende de um elevado quórum de votação, equivalente a quintos dos parlamentares. Se for feita uma analogia com o que ocorreu na comissão, essa quantidade de votos será alcançada. Quatro quintos dos deputados do colegiado (36 entre 49) concordaram com o relatório de Moreira. “É um indicativo bom, mas ainda temos de brigar pelos votos”, afirmou o líder do Governo, Major Vítor Hugo (PSL-GO). Os opositores, contudo, minimizaram esse apoio obtido na comissão especial. “Foi um resultado fabricado. O Governo teve de trocar parlamentares de alguns partidos para chegar ao resultado de hoje. No plenário não tem como trocar deputado”, disse o líder da oposição, Alessandro Molon (PSB-RJ).
Na prática, a oposição teria oficialmente hoje cerca de 140 votos. O Governo não tem base de apoio, apenas o PSL, com 54 deputados se declara governista. E outras duas legendas fecharam questão a favor da reforma, o PSDB, com 30 parlamentares e o NOVO, com 8. Ou seja, haveria 281 votos em disputa. Ocorre que boa parte do Centrão, incluindo o DEM, estão de acordo com a proposta. As chances de aprovação são altas.
Do texto original do Governo ficou de fora a inclusão de Estados e municípios nas novas regras, a criação de um regime de capitalização, uma das medidas mais defendidas por Paulo Guedes, e as mudanças propostas no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Desde que o projeto foi apresentado, houve um consenso entre oposição e os deputados do centrão de que as mudanças no BPC não deveriam ser mantidas porque atingiriam a população mais pobre do país. Politicamente, apoiar a ideia seria um “tiro no pé” dos deputados. Hoje, o benefício é um pagamento assistencial de um salário mínimo para idosos a partir dos 65 anos ou para deficientes físicos que tenham renda inferior a um quarto do salário mínimo. Na proposta do Governo, esses beneficiário passariam a receber 400 reais a partir dos 60 anos, e um salário mínimo a partir dos 70 anos.
Depois de fortes críticas, as regras de aposentadoria rural serão modificadas apenas para os homens. O texto-base estipula que a idade mínima para a aposentadoria das mulheres continue sendo de 55 anos com 15 anos de contribuição e que apenas os homens elevem o tempo de contribuição de 15 para 20 anos e continuem se aposentando apenas aos 60 anos.
A categoria dos professores é outra que colheu concessões desde que o texto do Governo começou a tramitar. Segundo o texto aprovado na comissão da Câmara, as docentes (que ingressaram até 31 de dezembro de 2003) podem se aposentar com o último salário, aos 57 anos. Na primeira versão do relatório, a idade mínima a integralidade do benefício era de 60 anos.
Ainda que comporte exceções das regras de transição e mantenha um abismo entre as condições dos servidores mais antigos e o trabalhador privado, caso a reforma seja aprovada, funcionários do Estado terão idade mínima de aposentadoria igualada à dos trabalhadores comuns: 62 para mulheres e 65 para homens. O tempo de contribuição mínimo, no entanto, será de 25 anos. O valor do benefício também será calculado da mesma forma do regime geral. Haverá ainda uma mudança na parcela paga por todos os trabalhadores: quem recebe mais, terá que contribuir com mais, em um sistema de alíquotas que será aplicado tanto no regime geral como dos servidores.