Desigualdade de gênero
por Mães em Rede Publicada em 27 de maio de 2019, 12:00 – Atualizada em 28 de maio de 2019 , 12:50 – Por Natália Públio*
Fui demitida na semana do Dia das Mães. Perto de completar nove anos na companhia, o anúncio chegou exatos quatro meses depois de retornar de licença maternidade. A demissão, em uma primeira análise, poderia ser apenas mais uma que engrossa as estatísticas de desempregados no país. Mas as justificativas e o momento da decisão apontam a necessidade de uma urgente discussão.
A empresa em que trabalhei tem um plano de carreira digno de benchmark, mas, no meu retorno, perdi espaço em projetos importantes e apontei isso. Ouvi “está tudo bem, você continua sendo importante para a área!”
Trabalhei com líderes admiráveis e sempre acreditei na cultura excepcional que gerou tantos reconhecimentos de mercado (ranking GPTW, prêmios entregues na ONU, cases de destaque). Eu trabalhava remoto sempre que possível e isso me ajudava a garantir um certo equilíbrio. Era um dos pontos que me fizeram permanecer na empresa por tantos anos e sonhar que era possível conciliar tantos desafios.
“Tentei não chorar, pois uma mulher chorando no ambiente corporativo só evidencia sua inabilidade de lidar com a pressão” – bullshit (Natália Públio)
No momento do anúncio, ouvi que não me encaixava mais no desenho da área, que não estava no ritmo, não estava correspondendo. Frente à irreversível decisão, me senti frustrada, decepcionada, sem voz e veio o gosto amargo de quem estava sendo rejeitada. Tentei não chorar, pois uma mulher chorando no ambiente corporativo só evidencia sua inabilidade de lidar com a pressão – bullshit!
Mesmo que a avaliação de desempenho estivesse 100% correta, não ficou claro para mim o que poderia ter sido feito para melhorar. Eu seria a primeira a querer desenhar um plano. Até porque, apaixonada pelo que faço e sendo a principal renda da família, é do meu total interesse continuar a ser bem sucedida – como fui até o momento em que me afastei para cuidar do projeto mais importante da minha vida: meus filhos.
Das mulheres que retornam de licença maternidade, 48% perderão seus empregos em até 12 meses. A pesquisa é da FGV. A cada duas mulheres, uma estará nas ruas antes que seu bebê saia das fraldas.
Dados do Ipea apontam que de cada 10 mulheres que poderiam estar economicamente ativas, 4 não conseguem se colocar disponíveis para uma ocupação. Mesmo havendo inúmeros avanços no mercado de trabalho e as mulheres sendo maioria nos cursos de graduação, é preciso discutir o que tem impedido a presença feminina nas empresas — agravando-se no recorte de cargos de liderança.
De acordo com o estudo da FGV, a presença de um filho pequeno na família é um dos fatores responsáveis pela baixa participação das mulheres no mercado de trabalho. O percentual de mulheres empregadas entre 25 e 44 anos e com um filho de até um ano de idade cai 60% para 41% e apenas 3 em cada 10 dessas mulheres, 28%, trabalham mais de 35 horas por semana.
“É preciso uma tribo inteira para cuidar de uma criança. Isso passa por políticas públicas, pelas instituições, pela sociedade civil, pelas empresas” (Natália Públio)
Se já são poucas as que conseguem trabalhar — como aponta o Ipea — e as que se tornam mães são demitidas, fica evidente que a desigualdade só se agrava. Quando atingiremos a equidade de gênero?
Esta pergunta tem resposta no estudo do Fórum Econômico Mundial: serão necessários 217 anos para conquistarmos paridade no trabalho aqui no Brasil. Isso é resultado do ritmo lento com que temos evoluído.
A Natura há alguns anos oferece o benefício da licença paternidade estendida. São 40 dias que podem se tornar 70 se o homem solicitar suas férias. Soa como um avanço? Seria sim. Mas nem metade dos homens solicita o total dos dias a que teriam direito. “O que vão pensar de mim se ficar tanto tempo longe? Vou perder oportunidades na minha área! Vou ser mal avaliado em minha produtividade. Temo por minha empregabilidade ao retornar”. Isso expõe a realidade rotineira vivida pelas mulheres.
O ônus da maternidade na carreira é uma das faces mais cruéis do sistema patriarcal. Discutimos tanto a dificuldade de conciliar carreira e maternidade e não debatemos carreira e paternidade. “Acho que eu deveria abrir mão do trabalho e me dedicar exclusivamente a ser pai”. Quantos homens você já viu tendo essa discussão? Vivendo esse conflito ou sendo julgados pela decisão que tomaram?
A participação desequilibrada no trabalho não remunerado limita a capacidade das mulheres de aumentar as suas horas de trabalho remunerado. Segundo a ONU Mulheres, a carga mental para gerir um lar e as atividades de cuidado são uma barreira injusta para a igualdade de participação no mercado de trabalho e na igualdade de remuneração. Tarefas domésticas oscilam entre 10 e 39% do PIB de países. Para as mulheres, o fim do expediente às 18h é só o início de uma invisível e não remunerada função – que na média é o dobro da exercida pelos homens.
É preciso um olhar de respeito ao papel da profissional mãe, de como ela usa seu tempo e concilia sua maternidade com sua carreira. Mães que decidem seguir as orientações da Organização Mundial de Saúde e amamentam seus filhos por dois anos ou mais e que muitas vezes ordenham seu leite no estacionamento ou no banheiro das empresas. Mães que estão sobrecarregadas com o cuidado da casa, que ainda é, na maioria esmagadora, responsabilidade feminina. Não leem tantos livros quanto gostariam nem fazem tanto networking quanto necessário. Enfrentam limitações para aceitar agendas fora do horário comercial e assumir projetos que incorrem em viagens. Estão muito ocupadas formando seres humanos.
Cientes de que mães de crianças pequenas têm uma dinâmica de vida que requer um olhar especial — principalmente sobre o nível de produtividade — empresas como a Unilever anunciaram recentemente a semana de três dias. Segundo comunicado, o principal objetivo desse projeto é permitir a conciliação de uma carreira ativa com prioridades pessoais. A decisão é estratégica para a retenção de talentos.
O ganhador do prêmio Nobel de economia James Heckman criou uma equação que demonstra que a cada US$ 1 investido na primeira infância, US$ 7 retornam na vida adulta. Os benefícios são resultado de doenças evitadas, queda nos índices de violência e evasão escolar, além de ganhos no desempenho escolar, com ganhos diretos para o PIB e para a sociedade.
Países nórdicos encaram os filhos como projeto de país, e não projetos pessoais. A licença parental de 480 dias na Suécia tem como fundamento o princípio da importância dos primeiros 1000 dias.
Finalizo com a visão da urgente necessidade de desconstruir que o cuidado é responsabilidade da mãe, pelo elo biológico. É preciso uma tribo inteira para cuidar de uma criança. Isso passa por políticas públicas, pelas instituições, pela sociedade civil, pelas empresas.
Líderes: sua empresa tem adotado indicadores para medir a inclusão e diversidade em sua companhia? Ótimo, está dando passos para acelerar essa dura jornada pela equidade. Porém, além do olhar atento aos processos seletivos para garantir as mesmas chances, trabalhe para garantir condições para que as mulheres possam permanecer em suas posições — e crescer.
*Natália Públio é mãe da Larissa e do Felipe. Formada em Comunicação Social pela Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação(ECA), tem 17 anos de experiência em marketing corporativo e relações públicas. Gosta de enfatizar que, pelo potencial de impacto na sociedade, seus maiores projetos até hoje são seus dois filhos.
*Este texto foi originalmente publicado no site Mães em Redes e gentilmente cedido ao #Colabora