Governo Bolsonaro
“Não vamos antecipar o processo”, disse o secretario especial da Previdência e do Trabalho, Rogério Marinho, a jornalistas, destacando que o governo só irá falar sobre a reforma no sistema de aposentadorias quando a proposta chegar à Câmara dos Deputados.
A fala veio depois de o jornal O Estado de S.Paulo publicar nesta segunda 4 detalhes de minuta da reforma, incluindo a fixação de uma idade mínima de 65 anos tanto para homens quanto para mulheres se aposentarem.
O texto publicado define tempo mínimo de contribuição de 20 anos. Para trabalhadores rurais, a idade mínima de aposentadoria é de 60 anos de idade para todos. Hoje, as trabalhadoras rurais podem se aposentar aos 55 anos, e não é exigido a comprovação de contribuição.
Atualmente, trabalhadores podem se aposentar por duas modalidades voluntárias. No critério por idade, a regra é de 65 anos para homens e 60 anos para mulheres, com tempo mínimo de contribuição de 15 anos. Por tempo de contribuição, são necessários 35 anos para homens e 30 para mulheres, sem exigência de idade mínima.
Esta proposta, se vingar, será ainda mais danosa aos trabalhadores do que a já aprovada pela Comissão Especial na Câmara dos Deputados, enviada por Michel Temer (MDB), e que estabelecia a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres.
Ainda segundo os documentos obtidos pelo jornal, a proposta prevê que idosos de baixa renda recebam cerca de metade um salário mínimo de benefício, 500 reais mensais.
Em entrevista na manhã desta terça-feira (5) à rádio CBN, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou que a proposta vazada para à imprensa na segunda é apenas uma parte do texto, e que o governo trabalha com ao menos cinco versões da reforma.
Em relação à introdução do regime de capitalização, o governo traz na emenda à PEC que “lei complementar poderá definir que o regime de previdência social seja organizado com base em sistema de capitalização, de caráter obrigatório, com a previsão de conta vinculada para cada trabalhador e constituição de reserva individual para o pagamento do benefício”.
O texto afirma que a capitalização seria em regime de contribuição definida e que o trabalhador poderia usar parcialmente recursos no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para alimentá-la. Neste sistema, em vez de os trabalhadores da ativa financiarem os aposentados, eles passam a poupar para pagar os próprios benefícios no futuro.
Não há detalhes, porém, de como vai se dar a implantação da capitalização nem, e principalmente, como ela seria financiada. O chamado custo de transição do sistema de contribuição, o atual, para a capitalização é grande. Isso porque os trabalhadores da ativa, que hoje contribuem para diminuir o deficit da Previdência, passariam a pagar para si mesmos. Isso diminuiria a receita atual, aumentando o deficit. É possível que uma proposta do tipo contemple, por exemplo, somente quem ainda não entrou no mercado de trabalho.
Desde a eleição, há dúvidas sobre qual a importância dada pelo governo para uma reforma da Previdência. Em encontro com investidores em Washington em novembro de 2018, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, chegou a dizer que o governo não podia prometer uma reforma.
A mudança nas regras de aposentadoria é considerada essencial por investidores para que o país diminua a crise nas contas públicas e amenize o crescimento da dívida. Por outro lado, grupos como servidores públicos federais fazem oposição às propostas de reforma.
O presidente Jair Bolsonaro já tentou acenar para a população com medidas mais brandas para a reforma, como a idade mínima de 57 anos para as mulheres se aposentarem. O aceno, no entanto, não foi corroborado pelos ministros Guedes e Lorenzoni.
Segundo Guedes, o sistema a ser implantado seria o da capitalização – caso a proposta seja apresentada e aprovada na Câmara e no Senado. O próprio ministro admitiu que a mudança terá um custo alto. CartaCapital conversou com o especialista em previdência e professor da FGV, Kaizô Beltrão para entender como funciona o modelo proposto e quais são os pontos mais polêmicos.
Beltrão estima que uma mudança do sistema pode custar dois PIB’s brasileiro – o equivalente a 4,1 trilhões de dólares – ao bolso do contribuinte, com mais impostos, além de ser uma mudança arriscado por depender de outras variáveis da economia. Segundo ele, sair do sistema de repartição para o sistema de capitalização “é querer mudar de trem em alta velocidade”.
Kaizô Beltrão: Primeiro é preciso saber que existe dois tipos de capitalização. Capitalização coletiva e capitalização individual. Paulo Guedes falou de capitalização individual. Nela, cada pessoa tem uma conta separada em que se deposita os valores. Funciona um pouco como o FGTS de agora. Você tem uma contribuição e tem uma conta. Um dia, quando achar que tem dinheiro suficiente ou quando decidir que não quer mais trabalhar, você começa a tirar dinheiro de lá. Para tirar o dinheiro foi implantada diferentes formas nos países que já implantaram esse regime.
Você pode “comprar” no próprio sistema uma renda vitalícia em que pode receber certa quantia mensalmente – e acho que é isso que o Guedes está propondo – ou receber tudo de uma vez. Esse último caso normalmente é condenado porque as pessoas não conseguem planejar o futuro.
Existe outras possibilidades: no Chile a pessoa tem o seu próprio fundo e ela pega e divide esse fundo para uma mensalidade como ela quer, geralmente com base na sua expectativa de vida.
KB: Não obrigatoriamente. Pode ter um sistema de capitalização que só o indivíduo pague ou um modelo em que ambos, empresa e indivíduo, paguem.
KB: Acho problemático nesse sistema o fato de haver uma geração “sanduíche” que terá que pagar as duas coisas.
KB: O custo muito alto a que ele se refere fala justamente sobre essa geração que terá que acumular na capitalização a própria aposentadoria e irá, através do governo, continuar pagando para os aposentados como um todo. A geração sanduíche terá uma dupla carga, terá que pagar para eles e para os pais deles. Esse é o problema. Eu estimo que o custo dessa transição seja algo entorno de dois PIB’s, esticado no tempo, mas isso implica num gasto maior do governo.
KB: Uns 20 ou 30 anos porque depende de o pessoal que já está contribuindo para o sistema antigo desaparecer.
KB: A Constituição de 1988 possibilitou a todos os entes federados a criação de regimes próprios. E qual é a vantagem de um regime próprio? É que o pessoal que já estava aposentado não pertencia a ele – era do regime geral no INSS -, e toda a renda que entrasse era direta para o governo municipal, estadual, o que fosse. Mas conforme as pessoas iam se aposentando, a carga ficou pesada e então se tentou o sistema de capitalização. Acontece que todo o trabalhador novo, caso haja uma renovação grande do quadro, não vai contribuir para o sistema e isso fica mais caro.
KB: Fica mais caro porque eles vão estar em um país, em uma sociedade ou em um estado que está tendo que pagar isso. Então ou o governo imprime dinheiro – o que não vai fazer – ou terá que cobrar dos contribuintes com mais impostos.
KB: Depende da história de cada país, de como se desenvolveu. O que tem acontecido no Brasil é o que chamamos de reformas paramétricas em que se define outra idade, se define outro tempo de contribuição. Eu acho que a longo prazo, se continuar no sistema atual, vamos ter que aumentar a idade de aposentadoria – colocar uma idade mínima para aposentar – porque de alguma forma o sistema é perverso. Quem consegue se aposentar por tempo de contribuição, normalmente, é gente mais rica, já que os mais pobres trabalham no mercado informal, têm uma história de trabalho mais intermitente e têm mais períodos de desemprego. Quem tem um emprego regular é, geralmente, o pessoal da classe média, classe alta.
KB: Se estivéssemos começando do zero, o sistema mais adequado poderia ser o da capitalização, mas não é o nosso caso porque já estamos andando, então é querer mudar de trem em alta velocidade e há o risco de descarrilar.
O discurso de quem defende o sistema da capitalização é aquele que afirma que será possível fazer investimentos com esse sistema, mas o que tem acontecido é que esses fundos não têm sido aplicados em investimentos produtivos.
KB: O risco é termos uma conta impagável. Se o sistema se altera, o custo será dois PIB’s, mas ainda há diferentes variáveis que precisam estar bem. Dependerá de como vai ficar a economia, como as pessoas estarão no mercado de trabalho… Precisaria ajustar o mercado de trabalho, acabar com a informalidade, ajustar o custo Brasil e, mesmo assim, é uma conta cara de pagar.
É como se você tivesse uma família, seu pai não se aposentou e você tem que ficar pagando para ele, mantendo o seu pai, mantendo a você e pensando no seu futuro. Isso é a economia do país. As pessoas vão ter que continuar vivendo com a renda, vão ter que pagar quem está aposentado e vão ter que financiar a própria aposentadoria.
KB: Hoje temos o sistema de repartição em que, basicamente, significa que quem está trabalhando contribui e quem está aposentado recebe. Enquanto a população de trabalhadores ia crescendo, não tinha o problema para pagar os beneficiários porque, quando o sistema começou, havia algo como 30 trabalhadores para cada beneficiário, então dava para pagar bem. Agora nós temos menos de dois.
CARTA CAPITAL – 06/02/2019